Velho Chico, em sua atual
fase, que se passa no ano corrente, vem sofrendo algumas críticas relacionadas
à mudança do tom. Sobretudo, no que diz respeito ao Coronel Saruê. Saiu de cena
Rodrigo Santoro, marcado por um perfil mais dramático ao carregar o fado de
assumir um papel que não queria, e Surge Antônio Fagundes, personagem mais
próxima de uma caricatura que reúne em si um mix de coronéis da ficção e da
nossa penosa esfera política. Na sua genealogia destaca-se Odorico Paraguaçu de O Bem Amado,
não só pelo tom da oratória e dos exageros, mas também pela remissão às
inesquecíveis Irmãs Cajazeiras. O trio já apareceu nas duas festas da fazenda
sempre a lhe elogiar, uma bela homenagem a Dias Gomes que soube como ninguém
retratar o interior nordestino e a brasilidade.
Afora essa crítica, creio que
foram introduzidos novos elementos bem interessantes para dar novos ventos aos
rios da ficção. O surgimento do amor encantado de Bento (pungente interpretação
de Irandhir Santos, Zelão de volta) e Beatriz ( professora idealista, casa tão
bem com a beleza simples de Dira Paes) é
pura poesia. Abençoado pela linda
presença da mãe-benzedeira Ceci ( forte e doce papel de Luci Pereira), vem
desviando o nosso olhar do eixo principal de Santo e Tereza, com esse romance
místico-carnal. Essa semana viveram uma linda cena. Ela, o fruto
maduro a ser colhido no pé de Juazeiro. Ele, a descoberta do amor tardio que
chega a transbordar em lágrimas. Lirismo em alta voltagem a nos emocionar(Vixe, minha mãe!).
Outro aspecto digno de nota foi a
solução encontrada pelos autores para substituir o Padre Romão. Com o
falecimento do ator (Umberto Magnani), os autores se viram diante de uma das
marcas que definem a natureza da telenovela como Obra Aberta (Umberto Eco), a
possibilidade de mudanças imprevisíveis durante a trama. Eis que surgiu Padre
Benício (magistral Carlos Vereza), que ao ser questionado pela ausência do
colega, informa que “ele saiu sem se despedir de ninguém”, que bela metáfora
para a morte repentina que chega sem avisar, essa “indesejada das gentes”. E
ainda explica que eles têm a mesma formação e preocupações sociais. Chico Criatura (Gésio Amadeu), personagem
importantíssimo para a costura da trama porque tudo ouve e tudo vê do seu
balcão, resumiu a mudança com o ditado popular: “Então trocamos seis por meia
dúzia”, ou seja, o papel do padre será tocado em frente sem prejuízos para a
narrativa. E nós aceitamos o pacto do fingimento e já nos confessaríamos com o
novo padre.
A chegada de Miguel (Gabriel
Leone) também balança as novas águas. Idealista, imbuído de todo um discurso
ecológico, porá em dúvida as certezas arcaícas do avô e traz frescor para a
história, com seu modo humanista de ver o mundo. Além de sua paternidade
problemática e do complexo de Édipo evidente, tudo indica que essas inclinações
ideológicas o levarão ao encontro de seu pai biológico e a um possível indício
de um romance incestuoso com a irmã (creio que Luzia, patológica como mais uma mulher
que ama demais, terá que desenterrar o segredo das cartas). Seu horizonte de
ideais se alinha muito mais ao modelo econômico da Cooperativa que ao dos
latifúndios, é a força do sangue que o atrai.
E por falar em sangue, o retorno
de Martim (Lee Taylor) em busca de sua história de vida através da família materna,
também tem rendido belas sequências. A viagem inóspita ao passado, as memórias vistas pelas lentes de sua
câmera e os depoimentos de narradores orais bem simbólicos (o velho, o cego) contribuíram em
muito para a beleza da narrativa e vão construindo com pequenos retratos o album da família que ele desconhece.
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ficção ao sabor das benzeduras e garrafadas de Dona Ceci...