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sexta-feira, 29 de julho de 2016

Um ano de Entretelas, um brinde às telas e seus diálogos

Prezados Leitores,

De repente este nosso espaço completa seu primeiro ano. A ideia dele começou a ser gestada bem antes, quando nas minhas diversas aulas fazia comentários sobre cenas de filmes e novelas e, alguns alunos atentos aos fios que ia puxando, diziam que devia escrever sobre aquilo. Com a chegada do Facebook, com todas as suas dores e delícias, passei a fazer alguns registros desses comentários. Mais uma vez os alunos e alguns amigos, agora centenas deles reencontrados virtualmente e ainda atentos à fala da professora, alimentaram a idéia do Blog. Veio a coragem e com a ajuda de Lydia Aninger, uma dessas ex-alunas inesquecíveis, hoje Relações Públicas versada nas redes sociais, botamos o menino para nascer.  
O nome desse espaço de conversa para quem aprecia boas narrativas, ENTRETELAS, tem três significados para mim. O primeiro é o mais óbvio, o diálogo entre as telas (novelas, , séries e desenhos) e os textos da literatura e da cultura. Já o segundo, remete ao verbo entreter, divertir, dar prazer. Já o terceiro, aquele que guardo no coração, e até então só foi captado pelo meu caro ex-aluno e amigo Paulo Fabrício (hábil leitor das artes), vem daquele tecido grosso, usado pelas costureiras, para dar sustentação aos tecidos ralos. Esse é o mais especial, porque costumo ouvir muito por aí que novelas e afins são banais, repetitivas, alienantes, ou seja, tecidos ralos, e algumas são mesmo (há joio e trigo em tudo).
Daí a minha intenção de engrossar um pouco esse tecido (da mesma raiz latina de texto), alinhavando alguns fios mais grossos sob e sobre eles. Para falar como professora de literatura, esse é um espaço para dar voz à intertextualidade nas suas mais diversas potencialidades, como propôs Kristeva, "todo texto é um mosaico de citações", cabe ao leitor percebê-las ou não de acordo com o seu próprio repertório.
Não tenho periodicidade fixa de postagem ou obrigações nenhuma com ele (ver segundo significado). Depois de um ano, começo a perceber que tenho vontade de escrever quando uma cena, um capítulo ou um filme é tão bom e cheio de significados e citações, que minha mão coça para comentar o que notei  e a mente animada pensa no título. Aí já viu... É correr para essa tela aqui para a inspiração não fugir.
Como com os filhos quando fazem aniversário, suas mães pensam na comemoração. Esse texto aqui é como o bolo da festa, os docinhos virão já já. Como boa mãe, tenho que contar algumas artes da criança. Já temos leitores em mais 9 países além do Brasil, e que susto não levei ao ver Ucrânia, Índia e Turquia dentre eles (coisas de mãe). As primeiras postagens ficavam na marca dos 100 ou 200 leitores,  daí foram crescendo e a última sobre Velho Chico (novela boa arretada! A mão coça muito!) chegou à casa dos 1000. Chega disso, porque toda mãe é um pouco exibida. Perdão, não posso esquecer dos comentários de tantos leitores conhecidos, desconhecidos e anônimos que respondo com alegria e que aumenta o desejo de continuar tecendo e do relato de alguns descrentes que contam que começaram a dar uma chance às tramas depois de ler essas minhas impressões.

Servido o bolo, é a hora esperada dos docinhos, aqueles apetitosos que ficam ao seu redor na mesa principal da festa e esperamos ansiosos por eles e queremos levar conosco para o dia seguinte. Como aqui o cardápio principal são cenas arrebatadoras. Eis nosso banquete, algumas imagens que marcam aleatoriamente minha memória e meus gostos (alguns estranhos)! Sirvam-se sem moderação. Saúde e vida longa ao Entretelas e aos seus leitores e que nunca nos falte motivação para tecer o profícuo diálogo entre as telas!

Entretendo-nos e reforçando os fios encantados da ficção. E os convido para preencher esses espaços vazios com suas escolhas afetivas, serão os presentes da festa...Vale Tudo!

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domingo, 10 de julho de 2016

Velho Chico e o encanto dos símbolos


Velho Chico nesta última semana reuniu muitos pontos altos a serem notados no que se refere ao poder encantatório dos símbolos.  A partir da revelação da paternidade de Miguel, tivemos uma sequência de cenas de grande carga dramática e sofisticação de detalhes que conspiraram para construir  capítulos que entrarão para a memória dos admiradores do gênero.
A recepção de Miguel na casa paterna para a revelação aconteceu à mesa, num momento de refeição com todos os membros da família dos Anjos sentados, representação de comunhão por excelência. Fazê-lo sentar-se ali suscita a idéia de agregação, de pertença ao clã, de amor ágape. Valendo lembrar, que as cenas da mesa nos de Sá Ribeiro são sempre momentos de conflito, nos quais sempre alguém se levanta ou se ausenta diante das desavenças ou destemperos do Coronel. Fica marcado, portanto, mais uma diferença entre as casas.
Após a revelação emocionante, pautada no belo discurso de Santo que aludiu à substituição do lugar do seu pai Belmiro por Miguel, outro belo símbolo foi usado: o batismo. O pai molhou a cabeça do filho, nomeando-lhe, reconhecendo-lhe. Ele era agora um dos Anjos. Destaquemos que há também nos sobrenomes das famílias antagonistas, Sá Ribeiro X Anjos, um pouco da história das famílias brasileiras. A primeira guarda com pompa a tradição de serem herdeiros de uma linhagem importante a ser perpetuada, 2 sobrenomes. A segunda, retirantes humildes, aponta para uma tradição antiga no Brasil para descendentes de escravos, que pela ausência de sobrenomes (documentos), a igreja costumava batizar-lhes com nomes religiosos, Santos, Santana, Conceição, Jesus ou com o nome doa patrões, daí 1 sobrenome.
Com a chegada do Coronel e seus jagunços no terreiro da casa, outra bela sequência. As armas X as flores, Saruê X Piedade. O mal sendo combatido com o bem, mas esse bem é defendido com força e coragem. Além disso, o desenho do triângulo feito no chão por Bento, Miguel e Santo, simbologia do equilíbrio das forças dentre outras tantas possibilidades. Em seguida, os três e Lucas (felicíssimo com a boa nova) improvisaram uma música uníssona com as mãos, selando a união de ideais. E, golpe de mestre, Dona Piedade, personagem matriarcal magnânima, varrendo com vigor o rastro dos invasores, que nós nordestinos sabemos bem o que significa: - Vá para nunca mais voltar, Seu Saruê dos infernos!
A relação telúrica das personagens também foi bem representada. Miguel, ao saber de sua paternidade pela mãe, corre para o refúgio da natureza, inspiração de sua vida, e remove a terra úmida, carregada de fertilidade. Já o Saruê, com sua notada crise de identidade, se põe novamente na encruzilhada onde fez sua escolha fatal no passado, e, embriagado, (até cantou Sentimental eu sou no Cabaré) remove a terra seca e a poeira, sinal de aridez.  Resgatado por Carlos Eduardo, o único que deseja assumir seu legado, volta para casa para encarnar novamente a figura externa do Coronel. Para o genro falta um componente que é tema central da novela, o sangue, que ele começa a driblar já encarnando a personalidade (e o chapéu) do sogro e sempre, sorrateiramente, dizendo o que o outro quer ouvir. O que já lhe traz o mesmo conflito da personalidade partida diante do espelho.
Enfim, foi uma semana de ápice dramático, com muitos clímaces acontecendo. A opção de Miguel pela casa paterna trouxe para a trama uma fase de recomeço. Ainda há muita história pela frente, e muitas outras revelações para nos emocionar. A possibilidade que vem se insinuando sobre Bento ser o verdadeiro pai de Olívia (aquecida ainda mais essa semana com a calma de Luzia diante da possibilidade do incesto que desesperou tanto Santo e Tereza) e também o segredo sobre as origens de Luzia, além da descoberta de suas malvadas artimanhas. Como disse Santo para Miguel (agora protegido por São Miguel Arcanjo): “- Olhe para o rio, tem muita coisa que a gente ainda não conhece.”
Continuemos olhando para o rio, para o Velho Chico com seus segredos e símbolos. Arrepare não e você não conseguirá alcançar a riqueza dessa novela que se esconde, sobretudo, nos detalhes.
 P.S. Posições políticas à parte, o discurso de Bento na Câmara e sua ação fora dela em anotar os nomes dos vereadores foi um recado de Grotas para o Brasil, um recado da ficção para a realidade.
 
 
 

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Downton Abbey e o poder sedutor da Casa


Ainda sou neófita nas séries. Recebo recomendações diárias de amigos e alunos sobre várias delas. Eu, leitora contumaz dos livros, filmes e novelas, tenho resistido um pouco a fazer essa passagem sem volta para o lado de dentro delas. Digo sem volta porque já começo a me sentir uma estranha em várias rodas de conversas, reportagens e postagens diversas nas quais o assunto gira sempre em torno de personagens e temporadas. Parece que a maioria das pessoas que gravitam em meu ciclo já foram abduzidas para esses universos paralelos. Mas vamos ao que interessa.

Desculpem todas as indicações e catequeses a mim dispensadas sobre outras séries, mas no melhor estilo de Lady Grantham, personagem irretocável vivida pela Dame Maggie Smith, acho que comecei pela melhor de todas (antes tive um breve romance com Brothers and Sisters e Parenthood) e acho difícil que alguma outra me desperte um amor igual: Downton Abbey, escrita por Julian Fellowes, é extraordinária no sentido mais pleno desse adjetivo.

Trata-se antes de tudo de uma história de família com todas as tramas esperadas dentro dessa instituição consanguínea e social: Nascimentos, romances, casamentos, segredos, mortes, conflitos, heranças, comemorações e reconciliações. Esse mote já bastaria para nos prender diante da tela. Todavia ela é muito mais que isso. Através do clã dos Crawley, família de nobres ingleses, e de sua majestosa Casa (assim mesmo com maiúscula, o sentido é muito mais amplo que um imóvel, designou no passado a família senhorial e todas as suas propriedades e poderio), Downton Abbey, temos verdadeiras aulas de História e estórias diversas que vão se multiplicando a cada episódio. Sem deixar de mencionar cenário, figurino, fotografia e roteiro de rara beleza.

A série cobre as primeiras décadas do século XX e faz cruzar com o cotidiano da família os principais acontecimentos e mudanças sofridas pela Europa, tais como: O naufrágio do Titanic, A Grande Guerra, industrialização, doutrinas variadas, papel crescente da imprensa e da ciência, conquistas femininas e muitos outros eventos que teimam em sacudir as cortinas e tapetes da rotina aristocrática da família e de seus empregados. Aproxima-nos dos grandes romances do século XIX com os seus protagonistas fortes e densos e suas casas emblemáticas como o Ramalhete dos Maias.

Aliás, um dos pontos altos da trama é a complexa convivência entre os patrões e empregados pelos corredores, alas e andares da Casa. Downton Abbey é a grande protagonista da narrativa, através dos espaços arquitetônicos, geográficos e sociais dessa casa/palácio temos um microcosmo da sociedade inglesa e, por extensão, um retrato de todas elas. Ela é a um só tempo metáfora e metonímia do social e do individual da humanidade dividida em classes e todos as complicações que isso pode gerar através dessa planta baixa que nos habita, salas, quartos, saletas, vestíbulos, jardins, biblioteca e múltiplas e incontáveis gavetas.

A Casa desdobra-se em dois mundos, os andares de cima, dos patrões e os andares de baixo, dos empregados. É dever dos “de baixo” zelar devotadamente pelo funcionamento impecável dos “de cima”. Aparentemente, esses dois mundos são separados, mas se misturam e se unem em muitos momentos através do poder incontrolável dos afetos. Destaquemos que uma das filhas do clã, Lady Sybil casa-se com o revolucionário chofer ou a bela amizade entre Lady Mary e o fiel e afidalgado mordomo, Mister Carson, que atravessa os cômodos da casa. E o melhor é que não há maniqueísmo algum, o bem e o mal independem do status social e habitam as duas alas em uma sofisticada rede de intrigas e sussurros.

          Há uma espécie de espelhamento dos dramas vividos pelos dois extremos da mansão. Mesmo com a distinção absoluta de classe e a distante mobilidade, os problemas humanos igualam-se em sonhos, projetos, alegrias e sofrimentos diversos. Durante a Guerra essa percepção se intensifica, as dores e os amores são para todos,  a nação estratificada se une contra as ameaças externas. E o mundo começa a mudar até mesmo para aquele clã, mais antigo que a própria Inglaterra, segundo a Condessa-mãe.

Fora dos muros da Casa tudo que aparece na trama gira em torno dela num modelo ainda quase feudal. A vila dos Crawley, as caçadas, os pequenos comerciantes, as idas a Londres de trem ou nos recentes automóveis surgem quando os moradores saem dos limites da propriedade. Visitantes que vão e vem, convidados e hóspedes variados os visitam com propósitos diversos. Todos querem entrar naquele “reino” e é muito difícil sair daquele universo.

Eu também me rendi a ele e em vez de começar a assistir às outras séries, teimo em rever os episódios e desfrutar da companhia dos Lordes e Ladies, Mordomos e Governantas, Condes e Condessas, Valetes e Aias, e me deliciar com o humor inglês destilado por Lady Grantham e com os belos jantares feitos pela Sra. Patimore, ou com os romances tumultuados de Lady Mary e o amor incondicional de Anna e Battes. Para mim é a série das séries, mesmo que não conheça as outras!

 

 

 

sábado, 11 de junho de 2016

O Coronel Saruê e o espelho


O espelho é um objeto que ocupa um lugar de fetiche na nossa cultura. É um espaço de desejo e repulsa porque nos põe em contato com nós mesmos diante de nós mesmos. Cercado de lendas e superstições, guarda um lugar especial na literatura. Arte que busca, de algum modo, nos revelar. Ele está lá dizendo verdades inconvenientes à madrasta má da Branca de Neve e a tantas outras personagens ao longo dos tempos. Padre Vieira o chamou de Demônio Mudo em dos seus sermões de mesmo título (1651), pois algumas freiras no claustro ainda se recusavam a tirá-lo de suas celas, prova de que ainda estavam ligadas ao mundo externo, ou a alma exterior, aquela imagem que queremos que os outros vejam da gente.

A expressão “alma exterior” é o cerne do conto O Espelho (1882)  de Machado de Assis. O Alferes Jacobina, após alcançar essa patente militar, molda sua “alma exterior” de acordo com aquilo que a sociedade espera do seu cargo e, quando tem seu poderio ameaçado, precisa vestir a farda e olhar-se no espelho para se reconhecer. Todavia, há o conflito entre a imagem refletida e a “alma interior”. O nosso brilhante escritor soube ler como poucos essa complexidade da alma humana, essa dissonância entre o externo e o interno que nos habita. Vale lembrar que outro grande escritor, Guimarães Rosa, também contribuiu com o tema no seu homônimo conto.

O Coronel Saruê, protagonista de Velho Chico, também tem explorado largamente essa temática. Diante do espelho em várias cenas, ele se questiona sobre sua real identidade e vê o seu reflexo dividido entre o dantes jovem entusiasta Afrânio e o atual Coronel, alma externa que foi obrigado a adotar por influência da família e do meio. Tal conflito tem rendido sequências fortes e profundas sobre os outros que guardamos em nós, escondidos sob as máscaras sociais.

Aquela caricatura de coronel pintada com cores fortes e figurino esdrúxulo guarda ainda alguma poesia daquele jovem tropicalista, que por vezes teima em aparecer no seu reflexo. Em diálogo/duelo com seu filho, esse lhe impôs a presença do espelho, algo que ele só faz em solidão, fazendo vir à tona, emergir para o primeiro plano, a alma guardada em baixo de tanto rancor e amargura.

Tal dilema também surge nos seus sonhos através da encruzilhada enfrentada no passado, entre as setas onde sua escolha dolorida moldou seu destino de Saruê. Parece claro que seus descendentes não atenderão ao chamado desse legado, fazendo suas próprias escolhas e caminhos, talvez serão mais felizes diante do espelho.

E como a ficção é também nosso espelho quebrado que  reflete o real através de estilhaços difusos, ali naquela Grotas temos um microcosmo do Brasil, um espelhamento do nosso país. Misto de modernidade e atraso, com compras virtuais e brigas à bala, sintropia e desordem caótica, idealismo e corrupção, e nós do outro lado da tela vamos juntando os caquinhos e tentando montar a imagem completa, mesmo que escapem sempre alguns reflexos que nós não queremos ou não podemos enxergar...

domingo, 5 de junho de 2016

O quarto de Jack e outras dimensões do amor


O quarto de Jack (2015), do diretor Lenny Abrahamson, é um daqueles filmes que nos deixa em suspensão enquanto o assistimos e essa sensação ainda nos acompanha por um longo tempo. Adaptação do romance O quarto, de Emma Donoghue (2010), conta a história de uma mãe e seu filho presos em um cativeiro por sete anos. Jack, o menino de 5 anos que ali nascera e crescera, é filho do sequestrador/estuprador, o Velho Nick, que os visita periodicamente para trazer o “que eles precisam” e violentar mais uma vez Joy, a maravilhosa mãe de Jack. Baseado na história real que chocou o mundo em 2008, quando foi descoberto que um pai prendeu sua filha por mais vinte anos na Áustria, o filme explora ficcionalmente outros ângulos desse drama.
Joy cria para seu filho um outro mundo, O quarto de Jack. Ali, naquele minúsculo espaço de tanto sofrimento, ela consegue manter uma atmosfera de fantasia que os mantêm lúcidos e ativos diante de tanto terror (ecos de A vida é bela). O único contato com o mundo externo vem da televisão que assistem, mundo que, na primeira parte do filme, ela nega a existência para que seu filho não entenda a sua condição de prisioneiro. Nessa primeira parte, antes da fuga, tudo é claustrofóbico e reduzido. Aliás, esse clima é bem explorado pelas câmeras com seus closes angustiantes, vide as cenas em que Jack fica dentro do guarda-roupa quando Nick vem os “visitar”.

É interessante notar as duas histórias que a mãe "conta" para Jack, O Conde de Monte Cristo e Alice no país das maravilhas. Duas narrativas que dialogam diretamente com o drama deles. Através do primeiro, ela preparará a fuga do esperto menino, que se fingido de morto (seu treinamento para isso é fantástico) será levado para fora do cativeiro por seu próprio algoz. Com Alice, temos a idéia do mundo diminuto e paralelo à realidade vivida por eles, com pitadas de beleza providenciadas pela amorosa mãe.  A literatura usada como bálsamo e salvação.
A segunda parte narra a adaptação deles ao mundo real pós-cativeiro. Essa fase é pontuada por cenas emocionantes e tensas protagonizadas pela família de Joy. Aquela idéia de que a vida cá fora não parou para esperá-los ronda o filme. Sua mãe, já separada de seu pai, vive um segundo casamento e os acolhe amorosamente em seu novo lar. Já seu pai tem dificuldades para aceitar Jack, para ele o garoto é o resultado de um crime. Destaca-se como uma das forças do filme, o poder sem limites do amor materno em suas variadas dimensões, de 10m² ao infinito azul. O afeto incondicional de Joy por Jack e o de sua mãe por ela e pelo neto rendem grandes cenas, dentre elas o primeiro corte de cabelo do menino.

A partir de um drama inimaginável para qualquer um de nós, o filme opta por narrar uma história de rara beleza que nos põe em contato com diversas e confusas questões. Dentre elas, a eterna pergunta platônica sobre o que é mesmo o real. A cena em que Jack volta ao cativeiro e descobre como aquele quarto/mundo era pequeno é puro lirismo e relativização das verdades, pois tudo depende do ponto de vista e do tamanho do nosso mundo. Mundo que vai se ampliando com filmes como esse. Digno de Oscar de melhor atriz para a intérprete de Joy, Brie Larson,  e de ser revisto algumas vezes para que possamos também, pelas mãos de Alice, nos refugiar em outros mundinhos...