O quarto de Jack (2015), do diretor Lenny Abrahamson, é um daqueles filmes que
nos deixa em suspensão enquanto o assistimos e essa sensação ainda nos
acompanha por um longo tempo. Adaptação do romance O quarto, de Emma Donoghue
(2010),
conta a história de uma mãe e seu filho presos em um cativeiro por sete anos.
Jack, o menino de 5 anos que ali nascera e crescera, é filho do
sequestrador/estuprador, o Velho Nick, que os visita periodicamente para trazer
o “que eles precisam” e violentar mais uma vez Joy, a maravilhosa mãe de Jack.
Baseado na história real que chocou o mundo em 2008, quando foi descoberto que
um pai prendeu sua filha por mais vinte anos na Áustria, o filme explora ficcionalmente
outros ângulos desse drama.
Joy cria para seu filho um outro
mundo, O quarto de Jack. Ali, naquele minúsculo espaço de tanto sofrimento, ela
consegue manter uma atmosfera de fantasia que os mantêm lúcidos e ativos diante
de tanto terror (ecos de A vida é bela). O único contato com o mundo
externo vem da televisão que assistem, mundo que, na primeira parte do filme,
ela nega a existência para que seu filho não entenda a sua condição de
prisioneiro. Nessa primeira parte, antes da fuga, tudo é claustrofóbico e
reduzido. Aliás, esse clima é bem explorado pelas câmeras com seus closes
angustiantes, vide as cenas em que Jack fica dentro do guarda-roupa quando Nick
vem os “visitar”.
É interessante notar as duas
histórias que a mãe "conta" para Jack, O Conde
de Monte Cristo e Alice no país das maravilhas. Duas
narrativas que dialogam diretamente com o drama deles. Através do primeiro, ela
preparará a fuga do esperto menino, que se fingido de morto (seu treinamento
para isso é fantástico) será levado para fora do cativeiro por seu próprio
algoz. Com Alice, temos a idéia do mundo diminuto e paralelo à realidade vivida
por eles, com pitadas de beleza providenciadas pela amorosa mãe. A literatura usada como bálsamo e salvação.
A segunda parte narra a
adaptação deles ao mundo real pós-cativeiro. Essa fase é pontuada por cenas
emocionantes e tensas protagonizadas pela família de Joy. Aquela idéia de que a
vida cá fora não parou para esperá-los ronda o filme. Sua mãe, já separada de
seu pai, vive um segundo casamento e os acolhe amorosamente em seu novo lar. Já
seu pai tem dificuldades para aceitar Jack, para ele o garoto é o resultado de
um crime. Destaca-se como uma das forças do filme, o poder sem limites do amor
materno em suas variadas dimensões, de 10m² ao infinito azul. O afeto
incondicional de Joy por Jack e o de sua mãe por ela e pelo neto rendem grandes
cenas, dentre elas o primeiro corte de cabelo do menino.
A partir de um drama
inimaginável para qualquer um de nós, o filme opta por narrar uma história de
rara beleza que nos põe em contato com diversas e confusas questões. Dentre
elas, a eterna pergunta platônica sobre o que é mesmo o real. A cena em que Jack
volta ao cativeiro e descobre como aquele quarto/mundo era pequeno é puro
lirismo e relativização das verdades, pois tudo depende do ponto de vista e do
tamanho do nosso mundo. Mundo que vai se ampliando com filmes como esse. Digno de Oscar de melhor atriz para a intérprete de Joy, Brie Larson, e de ser revisto algumas vezes para que possamos também, pelas mãos de Alice, nos refugiar em outros mundinhos...
Alana, excelente análise. Já assisti ,também. Pena que não foi exibido em nossa cidade que, como sempre, faz jus ao nome de " cidade comercial " . Filmes, só os que atingem o grande público. Aqueles que rendem boas bilheterias. Que pena !
ResponderExcluirOlá, cara leitora. De fato, aqui em Feira temos essa carência cultural que vamos driblando como podemos. O filme é muito bom e merece ser visto por mais pessoas.
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