A minissérie exibida nesse início de ano é uma adaptação do
clássico francês Les liaisons dangereuses,
de Choderlos de Laclos(1741-1803), publicado em 1782. Romance do gênero
epistolar que narra, ao longo de mais de uma centena de cartas, os bastidores
da aristocracia francesa antes da Revolução(1789), através da correspondência entre A Marquesa de Merteuil e o
Visconde de Valmont. Ricos, frios, libertinos, ociosos e amorais, encontram seu
prazer na manipulação e sedução. Aliás, essas são as palavras de ordem da obra,
também e tão bem preservadas na adaptação brasileira (bem como para o cinema
americano nos anos 80, excelente filme com Glenn Close e John Malkovich).
Escrita por Manuela Dias com supervisão de texto de Duca
Rachid, direção geral de Vinícius Coimbra e direção de núcleo de Denise
Saraceni, a trama foi ambientada no Brasil na primeira metade do século XX. Com
fotografia, figurino, cenário e texto irretocáveis, temos a nossa Marquesa, Isabel
D´Ávila de Alencar (Patricia Pillar) e o nosso Visconde, Augusto de Valmont
(Selton Mello). Mestres nos jogos vorazes dos destinos, usam as personagens ao
seu redor como se a vida fosse um tabuleiro, onde eles vão movendo as peças e
conduzindo os fios das criaturas que se tornam títeres indefesos em suas mãos,
fantoches dirigidos pelo casal de protagonistas. Vale lembrar que manipular vem
do latim manipulus,
manipulare, manipulatio, manipulator, compostos por sua vez das
raízes latinas manus (mão) e pleo (encher), ou seja,
sob suas mãos se enredam todos.
Um dos aspectos mais intressantes da trama é o tom de
segredo metaforizado pelas cartas e seu lacre vermelho. Tudo é muito sutil,
muito silencioso, muito baixinho, os
sussurros vão regendo a narrativa, como as teias da aranha que vão lentamente
atraindo suas presas. Através das frestas das portas, do trançado das gelosias,
da fechadura das alcovas, das remadas dos botes e dos cocichos dos subalternos os planos de
sedução e vingança vão se concretizando na penumbra, enquanto nas salas e
salões toda a luz é mantida.
Nessa mesma cadência do sussurro, segue o erotismo
explorado a cada capítulo, sempre em doses bem administradas (manipuladas de acordo coma necessidade do paciente), pois os manipuladores
não tem pressa em retardar seu gozo de prazer, triunfo e vingança. Basta que
descubram as fraquezas das presas (todos temos), pois como no conto de Machado
de Assis, A igreja do diabo, em cada manto de seda há uma franja de algodão, puxemos
a ponta e a virtude pode virar vício.
Nossa Marquesa é a própria encarnação da Viúva Negra,
megera indomada, dissimulada e charmosa. Nosso Visconde, o próprio Don Juan, o
prazer reside na conquista, uma vez sua, já não lhe serve, é hora de partir
para outros lençóis. Todavia, os planos começam a ruir e prevemos que serão
mudados de fato, pois vejam só, tem um amor no meio do caminho. E este Senhor
costuma ter mania de alterar os rumos, não importa quais sejam as regras do
jogo. O nosso Visconde dos trópicos começa a se render à doce e pia Mariana( como a
Sóror Portuguesa), troféu tão difícil de conquistar, tão frágil e tão forte,
agora consumida pela culpa que tenta expurgar com o seu sangue(esperamos que
não tenha o mesmo fim de Emma, Luísa ou da Dama das Camélias).
Como leitores/espectadores românticos que somos, torcemos pela redenção,
pela remissão dos seus pecados pela via amorosa. E enquanto isso seguimos curiosos pelos
segredos sussurrados sob o lacre
vermelho...Pois mais adiante, o tom é outro, o vermelho é outro, é uma guerra, Neguinho...