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quarta-feira, 25 de maio de 2016

Totalmente Demais e o jogo dos triângulos

A novela das 19:00h  geralmente é marcada por tramas cômicas e leves. Como num laboratório no qual se realiza experiências diversas (novos autores, novos atores, novas fórmulas), porém sem explodir nada. Ela cumpre sua função de entretenimento sem causar grandes discussões nacionais, como costuma acontecer nas tramas das 21:00h, pintadas através de tintas mais fortes.
Com Totalmente Demais não foi diferente. Há muitas novidades na trama, tais como: Comediantes fazendo papeis que lhe exigem mais que fazer rir (Dorinha e Zé Pedro ), estreantes brilhando como coadjuvantes (Lu e Max!!!), cantores convencendo  na interpretação (Montanha), até capítulo  final em uma segunda-feira (30-05), dentre outras boas novas.  Tudo isso sob a batuta de dois novos regentes, Rosane Svartman e Paulo Halm.
Todavia, as tramas se sustentam mesmo é da permanência e não da ruptura. Todas elas seguem algumas matrizes, temas que costumam se repetir sempre. São os chamados Plots, espécies de espinha dorsal da narrativa. As novelas, assim como a maioria dos romances, são multplots. Doc Comparato elencou vários deles em seus escritos sobre teledramaturgia. Vejamos os principais que aparecem nessa trama e em muitas outras:

1 PLOT DE AMOR: Um casal que se ama é separado por alguma razão, volta a se encontrar e tudo acaba bem;
2. PLOT DE SUCESSO: Alguém que ambiciona o sucesso, com final feliz ou infeliz, de acordo com o gosto do autor;
3. PLOT CINDERELA: É a metamorfose de uma personagem de acordo com os padrões sociais vigentes;
4. PLOT DO TRIÂNGULO: É o caso típico do triângulo amoroso.

Os leitores e espectadores já devem ter reconhecido as várias personagens e seus dramas representados nos plots acima (além de lembrar de outras tantas novelas sustentadas nesses alicerces). Elisa/Jonatas (1, 3 e 4), Carolina/Artur (1, 2 e 4), poderíamos remontar  e brincar com esses números em variadas combinações, com jogos de triângulos para todos os lados. E, veríamos ainda mais, se lançássemos nosso olhar para outros pares e trios como Florisval/ Rosângela, Lili/Germano e para outros núcleos mais secundários da narrativa.
O novo na novela e na literatura parece mesmo consistir em recontar o velho de uma nova maneira, através de histórias que continuem a nos interessar, a nos encantar e a nos manter curiosos pelo final. Como o sultão de Sherazade que adiou sua morte por 1001 noites, só para saber o final da história e acabou por se apaixonar e querer ouvi-las pelo  resto de sua vida.
Totalmente Demais soube explorar bem as novidades e caminhar na trilha segura da tradição. O final se guia pela famosa pergunta: Com quem ficará Elisa? E nós torcemos por Jonatas, herói cheio de virtudes cavalheirescas. Porque também torcemos por uma Carolina redimida ao lado de Artur, Gabriel e Jojô. Juliana Paes fez um bom papel, foi da temível protagonista de O diabo veste Prada à descontrolada e frágil mulher que ama demais e que agora dá lugar à mãe devotada, capaz de amar incondicionalmente uma criança fora de todos os padrões desejados pela maioria das pessoas que buscam adoção (o discurso da juíza que lhe deu a guarda foi emocionante). Logo, a dantes vilã merece a redenção e um final feliz na lógica da ficção.
Além de O diabo veste Prada, a novela lançou mão de muitas outras fontes de inspiração. Chaplin, Bonequinha de Luxo, E o vento levou, dentre outras referências cinematográficas, dividiram o palco com as leituras de poesia constantes de Artur, que curava suas dores através do consolo dos livros e com muitas músicas do nosso cancioneiro popular, a embalar as dores de cotovelo das personagens. Nem só dos bastidores da moda e da publicidade viveu a novela, os fios intertextuais também fortaleceram o tecido e fizeram dela um bom refúgio para os intervalos dos noticiários.
As loucuras de Cassandra, os dramas dos que sofrem de fartura e de miséria, a crueza das ruas, a magia do cinema, a interpretação de Glória Menezes e Reginaldo Farias e os preconceitos múltiplos trouxeram bons e necessários momentos na pausa do cotidiano.
E como não há mesmo nada de novo sob o sol, mas continuaremos buscando seu calor, semana que vem teremos remake de Sassaricando. Haja coração!




sábado, 7 de maio de 2016

Das astúcias do Velho Chico


Velho Chico, em sua atual fase, que se passa no ano corrente, vem sofrendo algumas críticas relacionadas à mudança do tom. Sobretudo, no que diz respeito ao Coronel Saruê. Saiu de cena Rodrigo Santoro, marcado por um perfil mais dramático ao carregar o fado de assumir um papel que não queria, e Surge Antônio Fagundes, personagem mais próxima de uma caricatura que reúne em si um mix de coronéis da ficção e da nossa penosa esfera política. Na sua genealogia destaca-se Odorico Paraguaçu de O Bem Amado, não só pelo tom da oratória e dos exageros, mas também pela remissão às inesquecíveis Irmãs Cajazeiras. O trio já apareceu nas duas festas da fazenda sempre a lhe elogiar, uma bela homenagem a Dias Gomes que soube como ninguém retratar o interior nordestino e a brasilidade.

Afora essa crítica, creio que foram introduzidos novos elementos bem interessantes para dar novos ventos aos rios da ficção. O surgimento do amor encantado de Bento (pungente interpretação de Irandhir Santos, Zelão de volta) e Beatriz ( professora idealista, casa tão bem com a beleza simples de Dira Paes)  é pura poesia.  Abençoado pela linda presença da mãe-benzedeira Ceci ( forte e doce papel de Luci Pereira), vem desviando o nosso olhar do eixo principal de Santo e Tereza, com esse romance místico-carnal. Essa semana viveram uma linda cena. Ela, o fruto maduro a ser colhido no pé de Juazeiro. Ele, a descoberta do amor tardio que chega a transbordar em lágrimas. Lirismo em alta voltagem a nos emocionar(Vixe, minha mãe!).

Outro aspecto digno de nota foi a solução encontrada pelos autores para substituir o Padre Romão. Com o falecimento do ator (Umberto Magnani), os autores se viram diante de uma das marcas que definem a natureza da telenovela como Obra Aberta (Umberto Eco), a possibilidade de mudanças imprevisíveis durante a trama. Eis que surgiu Padre Benício (magistral Carlos Vereza), que ao ser questionado pela ausência do colega, informa que “ele saiu sem se despedir de ninguém”, que bela metáfora para a morte repentina que chega sem avisar, essa “indesejada das gentes”. E ainda explica que eles têm a mesma formação e preocupações sociais.  Chico Criatura (Gésio Amadeu), personagem importantíssimo para a costura da trama porque tudo ouve e tudo vê do seu balcão, resumiu a mudança com o ditado popular: “Então trocamos seis por meia dúzia”, ou seja, o papel do padre será tocado em frente sem prejuízos para a narrativa. E nós aceitamos o pacto do fingimento e já nos confessaríamos com o novo padre.

A chegada de Miguel (Gabriel Leone) também balança as novas águas. Idealista, imbuído de todo um discurso ecológico, porá em dúvida as certezas arcaícas do avô e traz frescor para a história, com seu modo humanista de ver o mundo. Além de sua paternidade problemática e do complexo de Édipo evidente, tudo indica que essas inclinações ideológicas o levarão ao encontro de seu pai biológico e a um possível indício de um romance incestuoso com a irmã (creio que Luzia, patológica como mais uma mulher que ama demais, terá que desenterrar o segredo das cartas). Seu horizonte de ideais se alinha muito mais ao modelo econômico da Cooperativa que ao dos latifúndios, é a força do sangue que o atrai.

E por falar em sangue, o retorno de Martim (Lee Taylor) em busca de sua história de vida através da família materna, também tem rendido belas sequências. A viagem inóspita ao passado, as memórias vistas pelas lentes de sua câmera e os depoimentos de narradores orais bem simbólicos (o velho, o cego) contribuíram em muito para a beleza da narrativa e vão construindo com pequenos retratos o album da família que ele desconhece.

Sigamos pela Gaiola Encantada da ficção ao sabor das benzeduras e garrafadas de Dona Ceci...