A
novela das 18:00, agora das 18:30, tem sido um refresco geladinho ou um
cafezinho com bolo para nós amantes da teledramaturgia. Aquele momento especial
em que nos deliciamos e nos envolvemos com a leveza, humor e sensibilidade de
uma novela, trio que o Brasil precisa. Da autoria de Mário Teixeira, a trama é um deleite e tem se
encaminhado para o fim sem perder seu charme já visto em outras histórias desse
horário, pois não há como não notar seu parentesco com Cordel encantado, Êta
mundo bom ou Flor do Caribe dentre outras.
Aliás,
um dos seus pontos fortes é a riqueza intertextual. O texto bebe em muitas fontes orais, nas cacimbas
de Ariano Suasuna, que por sua vez bebeu em Gil Vicente e por aí vai nesse mar
de histórias que se cruzam e se bifurcam. É perceptível em primeiro plano o
modelo do auto medieval com seus personagens tipos circulando numa praça: O
padre, o coronel, o agiota (onzeneiro), a mocinha, o político, o delegado, o
parvo esperto, o aventureiro, o príncipe, o comerciante e muito mais. Com o
acréscimo moderno de que o autor aprofunda esses tipos e cria outros dando mais
camadas para todos eles. Sempre seguindo o mote latino do ridendo castigat mores. Todavia, todos estão nas barcas do céu e do
inferno simultaneamente.
Destaca-se
na trama, entre tantos poços de petróleo, a força dos afetos dos simples em
oposição às tramoias dos poderosos. A amizade entre as três meninas guerreiras
lideradas pela heroína doutorinha Candoca que a todos socorre no corpo, na alma
e na ética ou na leal relação de José Paulino com Timbó passando pelo Príncipe.
Timbó merece todos os nossos elogios, uma personagem que rouba as cenas e
circula em todos os núcleos.
Timbó
é o nosso já conhecido pícaro, aparentemente parvo, mas esperto que só ele, já tão
bem desenhado no Malazartes, Macunaíma ou na dupla Chicó e João Grilo e agora
por Enrique Diaz que o faz brilhar em cada olhar, palavra ou silêncio. A sua
cena consolando o amigo sob o céu estrelado e apontando os pranteados pais no
firmamento foi de uma beleza ímpar.
Vale
registro também Xavieira e sua doce complexidade, quer até ser malandra, mas
tem um coração que não a permite ultrapassar a fronteira e acaba encontrando
suas reais companhias nas crianças, outro núcleo delicioso que espelham seus
pais. E sua antípoda talvez seja Teodora, mal sem medidas.
A
novela é rica em muitos e muitos aspectos, observem, que apesar de ser uma
novela interiorana e rural, que temos muitas cenas em ambientes fechados
grutas, casas, pensão, sacristias, gabinetes, consultórios, choupanas, celas,
mostrando um universo íntimo das personagens em suas relações e todos esses
espaços guardam segredos.
Voltando
às cacimbas em que bebem essa trama que também é das mil e uma noites, agora no
final vamos de Caim e Abel e possivelmente de tragédia grega. Além de irmãos
rivais, tudo leva a crer que há algo mais ali que beira os filhos de Édipo, uma
troca de bebês está sugerida no segredo de confissão, até Ismênia pode ser
testemunha.
Agora
o que é bom, bom mesmo como a rusga cordial do padre com a pastora, as
angústias de Pajeú ou as tretas de Cira nesse Mar de Histórias, é que a gente
ri muito, muito mesmo, porque o texto é de prima e os atores mais ainda! E por
falar em prima, as cenas dos próximos capítulos são a cereja do bolo, a
manteiga derretendo no cuscuz, a canela por cima do mingau de tapioca, o coco
da canjica porque o sertão é um baú de receitas sem fim! Êta mulesta, Êta
mulesta...