A Força do Querer vem
se destacando como uma grata surpresa no horário das 21:00h (ainda chamo novela
das 8 pela força do hábito, mas no geral ela está indo ao ar um pouco depois
das 9). Desenvolvida a partir de vários plots,
motivos ou núcleos, parece ter sucesso em todos eles. Não se trata apenas de
tramas secundárias para alimentar o eixo central, ela vem tecendo bem todos os
personagens e seus dramas numa espécie de rede simultânea de histórias em
paralelo. Há inovações muito bem-vindas para nós telespectadores como o resumo
do capítulo anterior no início, os ecos das vozes e/ou congelamento do gancho para
o dia seguinte no seu final de cada capítulo (recurso já bem usado em Avenida
Brasil) e personagens reais adentrando na trama(Fafá de Belém fazendo um pouco
dela mesma e Tê para ajudar Ivana a se encontrar).
Essa
semana em especial duas cenas são dignas de destaque: A surra de Irene e O aniversário de Dedé. Ambas nos
remetem à natureza narrativa do conto. Poderiam ser capítulos isolados contados
individualmente, como aqueles Casos Especiais que a Globo apresentava na minha infância.
As duas como soe acontecer nos contos tradicionais tiveram início, meio e fim,
clímax e desfecho bem contornados. Júlio
Cortazar em Valise de Cronópio[i],
no ensaio Alguns aspectos do conto, resume
algumas das características principais do gênero. Vejamos:
1.
Escolher um acontecimento real ou fictício que passa essa misteriosa
propriedade de irradiar alguma coisa para além dele mesmo;
2.
Ruptura do cotidiano;
3. Um tremor de água dentro de um cristal, uma
fugacidade numa permanência;
4.
Fabulosa abertura do pequeno para o grande, do individual e do circunscrito
para a essência mesma da condição humana;
5.
Estilo baseado na intensidade e na tensão;
6.
Escrever tensamente, mostrar intensamente.
Em
A surra de Irene, tivemos a clássica
história da amante pérfida que apanha da esposa traída. Mulher bate em mulher
no banheiro feminino e tem apoio de outras mulheres. Ritinha deu o nocaute e
Marilda fechou a porta para ninguém interromper. Em Celebridade Maria Clara esbofeteou com gosto a vilã Laura no
banheiro também. Em Caminho das índias,
Ivone, bem que podia ser a mãe de Irene, também levou sua surra no clube, já em
Por amor Eduarda derrubou a rival na
piscina com cadeira de roda e tudo. Li nas redes sociais algumas críticas à
surra de Irene, como se a cena quebrasse a corrente da sororidade. Penso ao
contrário Marilda e Ritinha (mesmo com sua moral questionável, pois também
traiu) foram sisters de Joyce e saíram em defesa do clã, um movimento feminino
também legítimo, o desejo atávico de manter a casa segura. Ao ver uma família
ameaçada por uma golpista que abusou da confiança e fragilidade da “amiga”, as
amigas caíram “pra dentro”, e o Brasil esperava com ansiedade essa cena, Joyce
literalmente saiu do salto ( Christian Louboutin, não é qualquer salto!), catarse coletiva (por onde passei no dia seguinte
ouvi muitos comentários). Claro, Eugênio devia
levar sua sova também, com boas raquetadas de preferência para pagar o que já
nos deve há anos, mas a arte não existe
para corrigir a vida e vice-versa. Creio que os pontos 5 e 6 de Cortazar estão
bem aí representados.
Já
O aniversário de Dedé pode ser
comparado a um daqueles contos antológicos com um belo final feliz. Dedé como a
maioria das crianças (meu filho de 8 anos mal acaba um aniversário e começa a planejar
o próximo e chorou junto comigo nesse capítulo) desejou sua festinha e convidou
seus amiguinhos. Cenário montado, mesa posta, decoração de futebol e seu time
não veio. Ele era a própria imagem da desolação, nada que sua mãe ou avó (Elisângela
solando no papel) fizessem podia curar sua tristeza. O telefonema do pai só
piorou nossa piedade do lado de cá da tela. Quando tudo parecia caminhar para a
tragédia da solidão e do preconceito, eis que irrompe na festa Goku! A fantasia
salva a triste realidade, a ruptura do cotidiano mencionada pelo crítico
argentino. O extraordinário dentro do ordinário, o tremor de água dentro do
cristal, o pequeno para o grande. Eu diria para o enorme, para o inalcançável,
para o infinito. Foi uma das cenas mais lindas que já vi até hoje. O efeito
seria diferente se fosse Yuri a chegar de repente, pois Dedé mandou o convite
através dele para Goku, que veio em seu socorro heroico. Os pontos 1, 2 ,3 e 4
exemplarmente mostrados.
Por
essas e outras continuamos a amar a literatura. As novelas filhas legítimas e
herdeiras incontestáveis dos folhetins continuam nos surpreendendo e como nos bons contos imortalizados nas páginas dos livros nos
trazem essa Felicidade Clandestina e nos fazem rir e chorar como A moça tecelã...
P.S Entretelas hoje faz 2 anos! Dia de celebrar! Estejam todos convidados e lembrem de assinar o livro de visitas deixando seus comentários!
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[i]
CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio. Serie Debates. Nº. 104. 2ª edição.
São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004.