Instagram

https://www.instagram.com/entretelasblog/

sábado, 29 de julho de 2017

A força da narrativa de Glória Perez: Dois contos em uma semana catártica


A Força do Querer vem se destacando como uma grata surpresa no horário das 21:00h (ainda chamo novela das 8 pela força do hábito, mas no geral ela está indo ao ar um pouco depois das 9). Desenvolvida a partir de vários plots, motivos ou núcleos, parece ter sucesso em todos eles. Não se trata apenas de tramas secundárias para alimentar o eixo central, ela vem tecendo bem todos os personagens e seus dramas numa espécie de rede simultânea de histórias em paralelo. Há inovações muito bem-vindas para nós telespectadores como o resumo do capítulo anterior no início, os ecos das vozes e/ou congelamento do gancho para o dia seguinte no seu final de cada capítulo (recurso já bem usado em Avenida Brasil) e personagens reais adentrando na trama(Fafá de Belém fazendo um pouco dela mesma e Tê para ajudar Ivana a se encontrar).

Essa semana em especial duas cenas são dignas de destaque: A surra de Irene e O aniversário de Dedé. Ambas nos remetem à natureza narrativa do conto. Poderiam ser capítulos isolados contados individualmente, como aqueles Casos Especiais que a Globo apresentava na minha infância. As duas como soe acontecer nos contos tradicionais tiveram início, meio e fim, clímax e desfecho bem contornados.  Júlio Cortazar em Valise de Cronópio[i], no ensaio Alguns aspectos do conto, resume algumas das características principais do gênero. Vejamos:

1. Escolher um acontecimento real ou fictício que passa essa misteriosa propriedade de irradiar alguma coisa para além dele mesmo;

2. Ruptura do cotidiano;

 3. Um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência;

4. Fabulosa abertura do pequeno para o grande, do individual e do circunscrito para a essência mesma da condição humana;

5. Estilo baseado na intensidade e na tensão;

6. Escrever tensamente, mostrar intensamente.

Em A surra de Irene, tivemos a clássica história da amante pérfida que apanha da esposa traída. Mulher bate em mulher no banheiro feminino e tem apoio de outras mulheres. Ritinha deu o nocaute e Marilda fechou a porta para ninguém interromper. Em Celebridade Maria Clara esbofeteou com gosto a vilã Laura no banheiro também. Em Caminho das índias, Ivone, bem que podia ser a mãe de Irene, também levou sua surra no clube, já em Por amor Eduarda derrubou a rival na piscina com cadeira de roda e tudo. Li nas redes sociais algumas críticas à surra de Irene, como se a cena quebrasse a corrente da sororidade. Penso ao contrário Marilda e Ritinha (mesmo com sua moral questionável, pois também traiu) foram sisters de Joyce e saíram em defesa do clã, um movimento feminino também legítimo, o desejo atávico de manter a casa segura. Ao ver uma família ameaçada por uma golpista que abusou da confiança e fragilidade da “amiga”, as amigas caíram “pra dentro”, e o Brasil esperava com ansiedade essa cena, Joyce literalmente saiu do salto ( Christian Louboutin, não é qualquer salto!), catarse coletiva (por onde passei no dia seguinte ouvi muitos comentários).  Claro, Eugênio devia levar sua sova também, com boas raquetadas de preferência para pagar o que já nos deve há anos, mas  a arte não existe para corrigir a vida e vice-versa. Creio que os pontos 5 e 6 de Cortazar estão bem  aí representados.

O aniversário de Dedé pode ser comparado a um daqueles contos antológicos com um belo final feliz. Dedé como a maioria das crianças (meu filho de 8 anos mal acaba um aniversário e começa a planejar o próximo e chorou junto comigo nesse capítulo) desejou sua festinha e convidou seus amiguinhos. Cenário montado, mesa posta, decoração de futebol e seu time não veio. Ele era a própria imagem da desolação, nada que sua mãe ou avó (Elisângela solando no papel) fizessem podia curar sua tristeza. O telefonema do pai só piorou nossa piedade do lado de cá da tela. Quando tudo parecia caminhar para a tragédia da solidão e do preconceito, eis que irrompe na festa Goku! A fantasia salva a triste realidade, a ruptura do cotidiano mencionada pelo crítico argentino. O extraordinário dentro do ordinário, o tremor de água dentro do cristal, o pequeno para o grande. Eu diria para o enorme, para o inalcançável, para o infinito. Foi uma das cenas mais lindas que já vi até hoje. O efeito seria diferente se fosse Yuri a chegar de repente, pois Dedé mandou o convite através dele para Goku, que veio em seu socorro heroico. Os pontos 1, 2 ,3 e 4 exemplarmente mostrados.

Por essas e outras continuamos a amar a literatura. As novelas filhas legítimas e herdeiras incontestáveis dos folhetins continuam  nos surpreendendo e como nos bons contos imortalizados nas páginas dos livros nos trazem essa Felicidade Clandestina e nos fazem rir e chorar como A moça tecelã...

P.S Entretelas hoje faz 2 anos! Dia de celebrar! Estejam todos convidados e lembrem de assinar o livro de visitas deixando seus comentários!

 




[i] CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio. Serie Debates. Nº. 104. 2ª edição. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004.
 




 

 
 
 
 

 

quinta-feira, 6 de julho de 2017

A força da força do querer


A novela A força do querer vem se destacando como uma boa novidade para o já consagrado currículo de Glória Perez. Longe dos mundos exóticos de Marrocos, Índia ou Turquia, toda a sua ambientação nessa segunda etapa se concentra no Rio de Janeiro-Niterói (Parazinho volta como lembrança e com a força dos seus mitos, a cena da rezadeira foi ótima!)  com toda sua dor e delícia, revólver  e coqueiro, asfalto e comunidade, zona sul e periferia.

Com ecos evidentes da excepcional série americana  Breaking Bad, temos no drama do casal Rubinho/Bibi umas das forças da narrativa. Aquele bom rapaz, vizinho adorável (químico e professor como Walter White, protagonista da série) entra para o tráfico seduzido pela ambição de riqueza fácil e bem-estar para sua família, ameaçada pelos infortúnios econômicos. Bibi (nossa Skyler, inspirada em Fabiana Escobar, personagem da vida real, começa a metamorfose para a Bibi Perigosa). Uma mulher que ama demais como uma personagem de Manoel Carlos, dantes repleta de virtudes morais e aspirante à advogada, está sendo rapidamente levada para esse submundo em lealdade incondicional ao seu marido.

Ela ainda não sabia, mas já cruzou a fronteira e agora já desceu aos infernos também. Cenas simbólicas dessa transformação foram o incêndio do restaurante, sua visita íntima clandestina e ontem sua fuga pelos labirintos do crime acuada pelo cachorro (Cérbero). Pela voz de uma mulher anônima no topo do morro ela ontem soube que já não há volta. É comovente as tentativas vãs de sua mãe em afastá-la desse mundo e revoltante para nós (sim, também sofremos e ficamos com raiva dela ) sua cegueira. Um drama policial daqueles, mediado pelas simbólicas personagens de Jeiza e Caio, exemplos positivos da polícia e da justiça. Jeiza O+ doa-se completamente a sua missão e Caio está sempre intercedendo pelo bem de alguém. A sequência de ontem foi como ver de novo Tropa de Elite.

Para dar um tom cômico nessa trama temos Silvana e suas aventuras de viciada em jogo e suas peripécias para continuar quebrando a banca também. Seus lances de dados ficam cada vez mais perigosos e o pobre Eurico, que acha que tudo sabe e controla, é mais uma peça do seu tabuleiro. Sem contar com a relação engraçada com Dita, mais que uma empregada, uma cúmplice eficiente! Ainda para rimos muito temos  Abel (Tonico Pereira é um dos nossos maiores atores, ainda falta-lhe o papel que merece) e Ednalva, naquela já conhecida antipatia que já sabemos onde vai dar, exatamente como em Muito barulho por nada, deliciosa comédia de Shakespeare ou para ser fiel à cultura de Parazinho: - Quem desdenha quer comprar!

Não podemos deixar de destacar a personagem de Nonato/Elis, interpretado magistralmente pelo jovem ator de teatro cearense Silvero Pereira. Sua personagem literalmente rouba a cena, o desconforto do paletó dá lugar à autoestima estonteante quando está pronta para o show. Ainda na trilha do labirinto da sexualidade temos Ivana, a também estreante Carol Duarte, brilhando com seu drama íntimo que aponta para a transsexualidade, conceito de teoria de gênero ainda tão mal entendido. Vale lembrar também de Biga (nossa Marcelina) e seu charme sexy fora dos padrões estabelecidos! Quem precisar de Natura é só falar com ela, bela sacada ser consultora de beleza.

A autora é muito eficiente em representar núcleos familiares, observemos que dentro de cada casa há conflitos a ser contados, há problemas e soluções, há afeto e desavenças como em todos os lares do mundo. A questão polêmica do tal jogo assassino Baleia Azul foi muito bem explorada sob diversos ângulos. Glória sempre explora causas sociais em suas histórias, só por essa exposição tão didática do que se trata essa ameaça para nossas crianças e nossa falsa ideia de segurança “com os meninos quietinhos no quarto” já me senti contemplada como mãe e educadora. Novela, assim como toda arte, não é só entretenimento, pode também despertar consciências.

Continuemos de olho e enredados pelo Canto das Sereias, como nos ecos que aparecem nos  finais dos capítulos ...Glória, Glória!