Para
Mirella Márcia Lima
O
filme Dois Papas estreou dia
20-12-2019 como um presente de Natal para os amantes das boas histórias.
Dirigido pelo nosso talentoso Fernando Meirelles, com roteiro de Anthony McCarten e atuações impecáveis de Anthony
Hopkins e Jonathan Pryce nos papéis que nomeiam a trama e protagonizam toda a
narrativa, Papa Bento XVI e Papa Francisco.
Em
2012, na Argentina, o então cardial Jorge Bergoglio está decidido a se
aposentar das suas funções e solicita um encontro com o Papa Bento no Vaticano
para concretizar seu desejo. Já de passagem comprada sem saber se seria recebido
ou não, ele recebe um convite do Sumo Pontífice, que depois será interpretado
com um sinal divino. Ao chegar ao Vaticano, seu pedido é rejeitado pelo seu
superior sem uma explicação plausível, nem sequer imaginaria ele a razão do
chamado. Após longas conversas, Bento lhe revela o seu plano de renunciar ao
papado e sua intenção de deixá-lo em seu lugar.
São
exatamente essas longas conversas e os muitos silêncios que constituem toda a
estrutura e beleza do filme. Esses dois homens tão diferentes vão travar longos
diálogos (ora monólogos) que faz com que nos adentremos no íntimo de cada um
deles, conhecendo seus vícios e virtudes, seus anjos e demônios, dois homens de
carne e osso e dúvidas. Sim, a trama tem
um quê de maniqueísmo, pendendo a princípio o pêndulo do bem para Francisco. Todavia,
na medida em que a trama se desenvolve, veremos que os dois andaram pelas
sombras do vale da morte e que temos em cena duas figuras humanas densas que
vão aprendendo um com o outro, pois assim como nas confissões, um dos eixos da
história é o exercício da escuta.
As
conversas e os silêncios vão ganhando o tom de confissões, de segredos
sussurrados, e em alguns momentos um irá absolver o outro de seus pecados, pois
ambos são atormentados por palavras, ações e omissões. Bento, a questão
problemática da pedofilia. Francisco, os fantasmas da ditadura argentina.
Aliás, as cenas em flashback cinzentos desse período são um dos pontos mais altos do
filme juntamente com a fala amargurada do ainda Cardial que ousa questionar: “-Onde Deus
estava durante a Ditadura da Argentina?”, eco da mesma frase proferida pelo
Papa Bento quando visitou o Museu do Holocausto, ambas falas ecos de "Pai, por que me abandonaste?"...
Destaque-se
também no filme, os bastidores políticos das eleições dos Papas (Habemus Papam!), o papel da imprensa, a
trilha sonora, o futebol de um, a série do outro, as imagens imponentes do
Vaticano em contraste com a realidade vivida por Jorge Bergoglio que fez a opção
de viver entre os humildes e ser igualmente humilde, enquanto o outro prefere a
distância e a solidão ao convívio com seus subalternos e fiéis.. A cena das malas, dos sapatos e dos trajes em sua posse
é simbólica de sua opção, bem como a refeição solitária e a introspecção apontam para a natureza de Bento. Metáforas de duas linhagens de poder em jogo, jogo simbólico entre Alemanha e Argentina, jogo entre um Cristo no altar e um Cristo nas ruas junto aos povo. Parece haver um tabuleiro invisível entre esses dois homens que disputam entre si os rumos do catolicismo e de suas vidas. Vale
também notar, que esse drama histórico bibliográfico reserva algumas cenas de
rara beleza que tocam de leve o humor, a exemplo do momento da pizza com Fanta,
da final da Copa do Mundo ou do glorioso Tango na
despedida.
Nós
vivemos um momento histórico único, vimos um Papa renunciar, para outro Papa
assumir, portanto, assistimos a Dois Papas vivos. E agora temos a chance de ver essa história real ser retratada pelas
tintas da ficção com tamanho cuidado estético e vigoroso diálogo com o real que nos põe contritos diante da magia da
arte. Bem como estamos vendo, sob a égide de Francisco, a Igreja ganhar sopro
novo.
Habemus Papam Pop e por mim também Habemus Oscar! Amém!
Habemus Papam Pop e por mim também Habemus Oscar! Amém!