A novela Nos tempos do Imperador
de Alessandro Marson e Thereza Falcão é saudada com alegria pelos telespectadores
ávidos por uma nova história na nossa televisão. Vale lembrar que desde 2020,
com a suspensão das gravações pela pandemia, é a primeira trama completamente inédita,
uma vez que Amor de Mãe e Salve-se quem puder retornaram
para serem concluídas.
Nós, os noveleiros, não
estamos felizes só por uma novidade no ar, só por mais um “Era uma vez” tão
esperado, o que já nos contentaria, mas por se tratar de uma trama histórica
que retrata um período importantíssimo do nosso país. Nos tempos do Imperador
vem somar pontos na nossa tradição de produzir novelas de época de alta qualidade
e que marcam nossa teledramaturgia como Escrava Isaura, Direito
de Amar, Sinhá Moça, Força de um desejo e Lado a Lado
dentre tantas outras.
Como uma espécie de parte II de
Novo Mundo, os autores voltam para continuar a sucessão de Dom Pedro I
na figura de seu filho Dom Pedro II. Com os pés fincados no real, a novela, obviamente,
não se furta do seu papel folhetinesco e de seu compromisso único com a ficção,
mas nos oferece uma boa dose de História. Misturando as esferas propostas por Aristóteles
(Res Factae e Res Fictae), a narrativa tem tudo para acertar em
cheio ao dosar bem esses dois universos. Se for História demais, tenderá ao documentário,
se for ficção demais, trairá o tempo citado no título.
Por falar em título, fica
claro que se trata de uma novela de personagem, boa parte circula em torno de
Pedro II, vivido pelo grande ator Selton Mello. Todas as outras linhas, de
alguma forma, convergem para ele. Sua centralidade é bastante simbólica e construída
com os pinceis da ficção que ampliam e retocam sua figura pública já conhecida.
Ele é o homem ilustrado que lê Goethe, cita Dante e tem Victor Hugo como seu autor
preferido, citações nada ingênuas e que dão a argamassa de seus pensamentos. Ele
é o cientista, o colecionador, o fotógrafo, o monarca que aceita ideias
diferentes, como consentir que um professor republicano dê aulas para suas
filhas, mas não consegue frear tantos problemas. Características que compõem esse
homem que não pôde escolher seu destino e há de decidir sobre o destino de um
povo.
O que tem me chamado mais
atenção até o momento é justamente os dramas íntimos do Imperador e de seus
pares, ou seja, o homem e a mulher por baixo da coroa e do cetro, com todas as suas
fragilidades, angústias e dúvidas. Sabatella é sempre excelente em portar o
elemento trágico em suas atuações. A essa altura, ela já mostrou saber da
ameaça que entrou em seu palácio, a Condessa de Barral. Ao que tudo indica Ximenes
também protagonizará a trama com suas atitudes de vanguarda e por ser a outra vértice
do famoso triângulo amoroso, se é que se pode falar de amor nos casamentos
reais. Os olhares desse trio se mostraram eloquentes nessa primeira semana,
dizendo muito do que virá.
Para além do Paço, temos uma
cidade que pulsa com todas as suas camadas. Golpe de mestre dos autores trazer
à luz a Pequena África com tudo que ela representa num país escravocrata, uma espécie
de espaço utópico, um pequeno território onde os negros exerciam sua “cidadania”
e que é desconhecido da maioria. Ao ser apresentada para Jorge/ Samuel pelo
outro rei da trama, o rei negro, ele achou estar no céu. Não sem muita luta e
sangue, meu caro jovem, a exemplo dos malês que ele acompanhou.
E chegamos em Jorge/ Samuel, um outro protagonista,
uma espécie de espelhamento do mundo de cima, que viverá as agruras de um amor proibido
por sua Pilar, a jovem que quer mudar sua sina ao fugir de um casamento
arranjado por seu pai. A menina tem força de heroína, filha do coronel vivido
por José Dummont (muito bom vê-lo nessa condição social), metonímia de todo
conservadorismo e interesses escusos (Moça só sai de casa ou casada ou morta!).
Temos que destacar o núcleo dos coronéis baianos, liderados por Tonico Rocha (Olha
o Imperador em outro Império! Dá-lhe Nero! E ainda levou Josué para o Paraguai!), um típico representante das elites
do XIX, parece ter saído da lavra machadiana. Ele daria um ótimo primo de Brás
Cubas. São muitas personagens e muitos brasis ainda a serem mostrados.
No bom estilo histórias cruzadas,
todos esses brasis se misturam em busca de uma ideia de nação que ainda tateia sob
as luzes difusas dos lampiões e das chamas das fazendas do Recôncavo e não sabe o que fazer
com tantos problemas internos e externos. E não podemos esquecer daquela
herança maldita do tempo de Pedro I, ou de Novo Mundo, Licurgo e
Germana, tão grotescos que nos chocam. Alegorias de um espírito atrasado e
zombeteiro, espíritos de porco indomáveis. duas outras alminhas fantasmagóricas
a nos assombrar, como aquela de Viva o povo brasileiro.
Estou confiante que teremos
boas surpresas embaladas por uma trilha sonora sensacional, cenários, figurinos
e fotografias de encher os olhos...E antes que venham as réplicas...Nunca foi
fácil falar sobre o Brasil e sobre nosso passado tão incômodo e ainda tão presente
nos nossos dias...