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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

É tempo de tempo de amar

                                        Para minha mãe Antônia, fiel companheira dessa história e de tantas outras.

A novela das 18:00h, Tempo de amar, traz em si todas as virtudes de um bom folhetim de época. Sob a autoria de Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago (argumento de Rubem Fonseca), o primeiro  já mostrou seu talento em outras produções de época seja como colaborador ou como autor principal (Força de um desejo, Direito de amar, Um só Coração, JK). Só agora nas férias tive tempo de apreciá-la como ela merece, e aceitei o convite para sentar-me como se estivesse na Confeitaria Colombo e degustá-la.  Esse horário é ingrato para nós mulheres desdobráveis. Começo a elogiar a estética da trama, a fotografia e cenários, sejam do Portugal interiorano com suas quintas e casas de pedra, ou do Rio de Janeiro do final dos anos 20, estão belamente representados e funcionam como molduras para a narrativa. Vale destacar o enxerto de imagens de época que conferem mais beleza e veracidade à tela da ficção.

A pesquisa histórica também é digna de nota. Temos como pano de fundo todas as questões que pulsavam na nossa Belle epoque tropical. Um Brasil pós-escravidão, vivendo as primeiras décadas da República, se assentando naquilo que começaríamos a chamar de nossa modernidade convivendo com os resquícios coloniais, urbanização, industrialização, imigração, organização das relações trabalhistas (Vide Pepito e as geleias Supimpa), jogadas políticas, sobrados e cortiços, movimentos culturais, boemia. É interessante notar um rebuliço nas classes sociais e posições que começam a se mexer, como é o caso da megerinha de Débora Evelyn que faz de tudo para manter a pose de um status quo que já não possui ou acha que possuiu.  Observem as cenas do Grêmio onde os jovens da trama discutem feminismo, literatura, racismo, artes, inclusive com a presença de Pixinguinha e Gilka Machado. Há também muitas cenas de rua e ambientes sociais variados, bares, cafés, cinemas, confeitarias e o simbólico cabaré enfatizando bem o frêmito do período, como numa crônica de João do Rio ou Bilac.

Sobre o eixo central paira o tema dos temas de todos os folhetins: O drama amoroso de Maria Vitória e Inácio e suas agruras para conseguir viver esse sentimento de além e aquém-mar. Até uma fadista temos (Quem diria que Magda poderia!) para alimentar mais a coita de amor. Como soe acontecer há os vilões dispostos a separar o casal. Dessa vez duas vilãs com V maiúsculo. Desse lado do oceano, Lucinda, surpreendente Horta (virei fã depois de Elis), e toda sua carga de rancor e cicatrizes. Do lado de lá do Atlântico, Delfina, brilhante Sabatella, com seu desejo de reparação que lhe cega (ecos de juliana de O primo Basílio). O tema dos temas que atravessa os séculos está magistralmente representado na abertura com casais que atravessam a nossa cultura: Adão e Eva, Helena de Troia e Páris, Romeu e Juileta, Zumbi e Dandara e Lampião e Maria Bonita em quadros que vão se superpondo para retratar a ideia da força do amor dos protagonistas. Ao lado deles na trama, outros romances vão surgindo e também nos encantando, seja na burguesia ou no proletariado, ou melhor ainda quando se misturam como o médico e a doméstica. É mesmo uma novela de amor e como amor rima com humor, há cenas bem cômicas como a de Seu Geraldo e Dona Nicota na Festa dos Porcos...
A trama é bem construída e parece ter espaço para todas as personagens aparecerem um pouco e todas têm alguma complexidade. Desde o gigante Tony Ramos aos bem novatos como os jovens imigrantes. E por falar em personagens, fomos brindados com a aparição de Ester Delamare (Malu Mader), a baronesa de Sobral de Força de um desejo, uma das melhores novelas de época que já tivemos. Um show de intertextualidade, não só cruzando os enredos, mas também cruzando os tempos, pois uma das suas falas foi sobre o fato de que agora os títulos de nobreza não mais importavam.
Sempre é tempo para falar de amor, sempre é tempo para boas histórias sobre esse “Um não sei quê, que nasce não sei onde; Vem não sei como; e dói não sei porquê.” Continuemos...Afinal:

Balada do amor através das idades
 Eu te gosto, você me gosta 
desde tempos imemoriais. 
Eu era grego, você troiana, 
troiana mas não Helena. 
Saí do cavalo de pau 
para matar seu irmão. 
Matei, brigamos, morremos. 
Virei soldado romano, 
perseguidor de cristãos. 
Na porta da catacumba 
encontrei-te novamente. 
Mas quando vi você nua 
caída na areia do circo 
e o leão que vinha vindo, 
dei um pulo desesperado 
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro, 
flagelo da Tripolitânia. 
Toquei fogo na fragata 
onde você se escondia 
da fúria de meu bergantim. 
Mas quando ia te pegar 
e te fazer minha escrava, 
você fez o sinal-da-cruz 
e rasgou o pito a punhal.. 
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos) 
fui cortesão de Versailles, 
espirituoso e devasso. 
Você cismou de ser freira.. 
Pulei o muro do convento 
mas complicações políticas 
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno, 
remo, pulo, danço, boxo, 
tenho dinheiro no banco. 
Você é uma loura notável 
boxa, dança, pula, rema. 
Seu pai é que não faz gosto. 
Mas depois de mil peripécias, 
eu, herói da Paramount, 
te abraço, beijo e casamos.
Carlos Drummond de Andrade 


sábado, 6 de janeiro de 2018

Entre irmãs: Outras histórias cruzadas

Para meu tio Auri Cotias, que assistiu comigo atentamente ao último capítulo

A minissérie Entre irmãs exibida essa semana pela Rede Globo de Televisão nos encantou através de um tema que é universal, a relação entre irmãos. Baseada no livro “A Costureira e o Cangaceiro”, de Frances de Pontes Peebles, virou filme pelas mãos de Breno da Silveira e roteiro de Patrícia Andrade e agora esse filme foi exibido no formato que vimos na TV (assim como Malasartes) durante essa primeira semana do ano.

Bom começo para a teledramaturgia. O tema universal da relação entre irmãos é um mote que atravessa a nossa cultura, mas de forma geral é contado através da sombra rivalidade. Desde  Caim e Abel, Esau e Jacó, José do Egito, Pedro e Paulo e Yaqub e Omar (protagonistas de Dois irmãos, de Miltom Hatoum que também foi transformada em série pelas brilhantes mãos de Maria Camargo) vemos irmãos brigando nas páginas e nas telas. Já nessa história, o que se sobressaiu é justamente o contrário, o amor fraterno incondicional entre as protagonistas, Luzia e Emília, defendidas muito bem por Nanda Costa e Marjorie Estiano (como essa atriz cresceu desde Malhação até aqui). 


Além da trama muito bem construída, ou melhor dizendo costurada, devemos destacar as atuações (Cyria Coentro é uma verdadeira estrela, a cena de seu delírio e morte na rede foi comovente), os figurinos, a fotografia, a abertura, a direção de arte minuciosa. Sobre o tema, ponto para ideia dos destinos cruzados e inseparáveis das irmãs narrado como uma questão aberta pela tia Sofia, a sábia que as criou. A que acreditava no amor, não foi amada como idealizou. A que foi levada quase à força encontrou o verdadeiro amor nos braços do mítico Carcará, mistura de Lampião com todos  os outros reis do cangaço (o episódio do sal  saiu de Lampião). Cidade e Sertão, Recife e Caatinga, Luxo e Fome, Macacos e Jagunços, Ciência e Fé atravessaram os pespontos desse tecido tão bem cozido. Vale ressaltar também, o papel narrativo dos jornais da época, uma espécie de voz paralela que ia nos contando dos acontecimentos com suas manchetes sensacionalistas e fotografias fortes.

A obra dialoga profundamente com nossos romances regionalistas (realistas/naturalistas) do século XIX e com o romance de 30, com destaque para O Quinze de Rachel de Queiroz. A cena em que Emília recebe o sobrinho Expedito dos braços de Luzia é muito semelhante a que Conceição toma Duquinha, até mesmo o espaço dos retirantes (muito semelhante aos campos de refugiados de hoje) no meio da nada e da fome e as mães com os peitos vazios pela seca que assola corpos e almas.

Outro ponto chave da narrativa foi a tal Frenologia ( de phrenos= mente e logos= estudo), ciência que acreditava que o formato da cabeça determinava o caráter da pessoas e a sua capacidade mental, daí tantas cabeças cortadas para estudo na época (Ver  Cesare Lombroso, pai da criminologia moderna,  tem tudo a ver com isso!). O sogro de Emilia, defensor fiel dessa crença, protagonizou algumas cenas com sua fita métrica que achava poder explicar tudo. Ledo engano, todos ao seu redor (inclusive seu filho para seu desespero, a homossexualidade considerada doença  a ser tratatada no sanatório) traíram sua teoria. Emília, que também usava a fita métrica como instrumento de trabalho, revelou em sua tocante carta de despedida (cena final da série), que em matéria de gente as medidas são bem outras, intangíveis, incomensuráveis e imponderáveis, numa bela analogia entre a costura e a ciência.


Excelente texto, rico em signos e simbologias (o baile de carnaval e suas máscaras que o digam), com forte pesquisa histórica e política, diálogos impecáveis a exemplo do rompimento de Felipe com Degas (“Minha vida andou para frente e nossa história ficou para trás”), enredo bem cingido que nos concedeu fortes emoções como a viuvez simultânea das irmãs. Como as Moiras ou Fiandeiras (mito greco/romano) de Malasartes ou sem elas, parecem que alguns destinos estão mesmo cruzados e entrelaçados por fios tênues, ninguém é irmão de sangue ou da vida por acaso...Continuemos, I'm fine...