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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Cartas para Antía: Julieta de Almodóvar, uma ode ao destino


O novo filme de Almodóvar, Julieta, é uma daquelas tramas que faz nossos votos de amor às narrativas serem renovados durante seus 100 minutos e continuam ecoando em nós por mais algum tempo. Baseado no livro de contos Fugitiva de Alice Munro (Nobel da literatura em 2013), o titulo original é Silêncio, um dos contos que inspiram o cineasta espanhol. Os dois títulos, seja Silêncio ou Julieta, fazem todo sentido ao longo da história. Mas, para muito além da influência da autora canadense, o filme estabelece um belo diálogo com a literatura clássica (tragédia grega) e a força do destino presente no mundo grego.

Almodóvar é um grande leitor/escritor de perfis femininos, suas mulheres têm sempre muita força e os homens ao seu redor parecem sempre coadjuvantes perdidos no vendaval de sentimentos que elas representam, afinal sempre precisamos volver ou saber mais sobre nossas mães. Em Julieta ele não foge dessa regra e faz sua protagonista brilhar em dois tempos. Uma jovem professora de Literatura Clássica com visual punk dos anos 80, e no presente, uma mulher de meia idade atormentada pelo silêncio imposto pelo fuga/sumiço de sua filha, Antía (personagem de uma obra grega atribuída a Xenofonte, Os Efésios, um romance amoroso regido pela interferência de Eros, considerado pela crítica uma obra feita para mulheres).

Julieta está pronta para mudar-se para Portugal com seu atual companheiro quando reencontra uma amiga de sua filha, Bea, que a faz reabrir as feridas e nos contar sua história. Daí, em media res, como nos épicos, vamos conhecer seu passado, numa escrita catártica de cartas para sua filha. Ela vai desfiando no papel seu relato e nós vamos acompanhando suas memórias em flash back, principalmente seu romance com o pai de sua filha, Xoan, um pescador que encontra numa surpreendente viagem de trem (há mais mistérios nessa sequência...) e muda o curso de seu destino/viagem. Quando se apaixonam, ele cuida há anos de uma esposa doente que vem a falecer e Julieta ocupa seu lugar, sua casa e também herda sua empregada, sua amiga, ambas peças- chave no filme.

É interessante notar a idéia de destino típica das tragédias. Além de ser professora de Literatura clássica (dá uma aula sobre Ulisses e os sentidos do mar em grego, episódio em que ele fica refém da deusa Calipso), quando conhece Xoan no trem ela está lendo um livro sobre Tragédia grega. A questão da culpa vai surgir em várias cenas que parecem se desdobrar muitas vezes. O mesmo que ocorre com a mulher de Xoan, vai acontecer com os pais de Julieta, sua mãe adoece gravemente e seu pai arruma uma amiga dela para cuidar da casa, mas o amor entre eles acontece e essa moça também tomará o lugar de sua mãe. A ideia de cumprir uma expiação vai sempre se refazendo de várias formas e em várias personagens...

O drama que vira a trama do avesso se dá quando Julieta descobre a traição de seu marido, eles discutem, ela sai, ele vai pescar e morre numa tempestade e tudo isso ocorre enquanto Antía está em um acampamento de férias. Daí em diante, o silêncio reina e esse será um dos motivos da partida da filha, viagem incompreensível para sua mãe. Ela passará a escrever para entender o que aconteceu...Colando os pedaços da fotografia rasgada, um quebra-cabeças que vamos montando junto com ela, numa busca densa pelas respostas.

Elas só se encontrarão doze anos depois (quase como Ulisses), quando um elemento que o destino mais uma vez reduplica faz com que sua filha a procure, claro que não contarei aqui...E essa cena não veremos, ficamos com os créditos, uma bela viagem (odisséia), uma bela música (Si no te vas) e a imaginar os abraços de reconciliação que se privaram por tanto tempo.

Oh, Almodóvar, que os deuses continuem te inspirando e que o nosso destino permita desfrutar  ainda muito desse mar sem fim de suas histórias...

 

 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Trolls, abraços, arco-íris e bolinhos


Para Miguel, Lúcia, Lina, Jorge e Breno, companheiros felizes de sessão



O novo filme da Dreamorks é mais do que uma simples animação. Dos mesmos autores do inesquecível Shrek (mesma fórmula da feiura fofa), para Trolls também pode ser atribuída à classificação de aventura e comédia musical, sobretudo, um bom musical. A trilha sonora é  de excelência, daquelas que fazem a gente se sacudir na cadeira do cinema. As crianças grandes reconhecerão muitos hits revisitados (John Travolta e Elton John dentre eles).

Estruturado no binômio Felicidade x Tristeza ou Entusiamo x Apatia, temos de um lado os coloridos e pequeninos Trolls liderados pela sempre otimista Poppy, e do outro os cinzentos e gigantes Bergens, cuja tristeza só pode ser unicamente revertida por um antídoto: comer os Trolls...Numa espécie de ritual antropofágico, os cinzentos precisam devorar a poder dos coloridos para assimilar seus sentimentos positivos e sua cor, caso contrário, são condenados à tristeza profunda e contínua.

A princípio parece um maniqueísmo bem simplista típico dos contos de fadas tradicionais, mas o desenho vai ganhando contornos bem interessantes ao longo da trama. O conflito surge quando os Trolls, liderados pelo seu rei, o pai de Poppy, resolvem fugir com seu povo no dia do Festival em que seriam devorados. Escondem-se por longos anos em um reino subterrâneo de pura alegria, até que são encontrados e correm risco de vida novamente. Daí surge toda a graça do desenho. Na luta pela sobrevivência, a já Princesa Poppy encontra no rabugento Tronco, um parceiro de aventuras e um grande amor.

Na jornada engraçadíssima, ainda renovam o clássico Cinderela através da ajudante de cozinha do Rei dos Bergens que alimenta um amor por sua majestade. O pobre reizinho nunca conheceu a felicidade, até desfrutar do amor dessa Gata Borralheira de patins (virou uma diva na mão dos Trolls) e comer pizza em sua boa companhia, imagem que denota outras possibilidades de ser feliz...E o melhor de tudo, a tal felicidade está em nós mesmos e  nas nossas relações...

Destacam-se ainda no filme o colorido especial, os traumas que nos fazem ficar acinzentados, o poder curativo do afeto e dos abraços, a lealdade, a coragem e outros tantos valores que as crianças e nós, crianças grandes, precisamos lembrar sempre. E toda a história é contada através de uma espécie de livro mágico, que vai dando vida aos personagens, reavivando nossas emoções e acionando camadas profundas da nossa alma ao correr das páginas e dos pixels...Desde Toy Story, Shrek, Divertidamente que eu não gostava tanto de um desenho...