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sexta-feira, 21 de abril de 2023

Vai na fé, raios de Sol no horário das 19: 00h

 


 

A novela Vai ne fé de Rosane Svartman tem sido uma renovação no prazer dos apaixonados pela teledramaturgia. A autora que já tinha seu nome e sua marca ao lado de Paulo Halm em duas outras tramas de destaque, Totalmente Demais e Bom Sucesso, agora segue brilhando em sua autoria e traz sopro e barro novo ao horário das 19:00h.

A narrativa tem muitos pontos altos, falemos de alguns. A protagonista Sol, Sharon solando mesmo em cada cena, e sendo estrela maior de um sistema que gira ao seu redor, tem nos brindado com cenas de força e leveza que mostram as agruras de uma mãe lutadora para criar suas filhas, cuidar da mãe e ser o esteio da casa depois da viuvez. E ainda  tentando conciliar tudo isso com seus sonhos, fantasmas do passado e dilemas amorosos.

Dentre desse sistema SOLar temos suas filhas, Jenifer Dayane e Maria Eduarda e a avó das meninas, a brilhante Elisa Lucinda, todas quatro buscando seu lugar e voz em meio às adversidades, mas sem perder a ternura jamais. E ainda cabem duas outras estrelas nesse mundo, Bruna e Katy (Como não amar essas duas! E aquela cena da volta da filha pródiga pedindo perdão!) que somam e dividem as dores e as delícias do cotidiano suburbano, com suas quentinhas, seus modelitos, suas paródias e suas aventuras e desventuras, pois tudo cabe naquela Parati, naquela Van ou naquele ônibus  de Piedade.

Ainda vale destacar nesse núcleo, a representação positiva dos evangélicos, ao contrário da caricatura recorrente em outras tramas. A figura do pastor Miguel (Adriano Canider) que funciona mesmo como um líder cristão que pratica um evangelho de amor e acolhimento e vai guiando seu rebanho amorosamente e combate a falsa fé e suposta superioridade moral de suas ovelhas.

A luz de Sol ilumina os outros núcleos, com a idealista Jenifer chegando à Faculdade de Direito, chegamos em Lumiar, linda e talentosa advogada e professora de Direito  que tem como fragilidade o amor de Ben, outro sol da trama, brilho de Samuel de Assis. O advogado no seu dilema  ético e racial, vai se descobrindo cada vez mais incomodado em sua bolha.  A convivência com os jovens estudantes, em sua maioria negros e sonhadores como ele foi um dia, faz seus planos mudarem. Só o que acontece com o núcleo jovem naquela universidade daria um texto que não cabe aqui. O reencontro com a princesinha do baile e sua filha (ou não, pende para Theo infelizmente) traz seu passado de volta e ele quer mudar seu rumo.

Ainda através dos raios de Sol chegamos aos palcos com Lui Lourenço e sua trupe. Sol volta aos palcos e isso muda os rumos de suas certezas. Na trupe de Lui, temos em cena “Vitinho Lo Bianco”, quem não queria um assistente daquele? E nosso astro a la Magal, é um drama em gente, sofre por tudo e, sobretudo, por sua carência.

( E agora silêncio total, abrem-se as cortinas, rufem os tambores) surge Wilma Campos! Ave, Renata Sorrah! Essa personagem fabulosa, estrela preterida e incompreendida, é uma verdadeira ode à arte de representar e à metalinguagem. Ela tem protagonizado diálogos incríveis, trazendo textos da nossa tradição literária e das telas para suas falas. Aquela cena dela com seu par Fábio Lourenço, no restaurante no escuro, foi catarse pura, tão comovente que até despertou a vocação da dançarina pilantra, Érica, que está caminhando para a sua redenção através da arte. Wilma me lembra muito Eugenio, o inesquecível mordomo de Vale Tudo vivido por Sérgio Mamberti, que ia relacionando os fatos da trama com clássicos do cinema. A autora e seu compadre Paulo, são feras nessas citações, haja vista Bom Sucesso, uma homenagem aos livros e totalmente demais, uma releitura de Pigmaleão, My Fair Lady e cia.

Ainda pela luz de Sol, chegamos à casa do terrível e repulsivo Theo, interpretação tão boa de Emilio Dantas que dá asco na gente, mau pai, mau marido, mau amigo, mau tudo. Sua inveja obsessiva pelo amigo Benjamin, faz ele querer tudo do outro, mas sabemos que jamais alcançará. Empresário criminoso, vive na corda bamba porque a vida dele é uma farsa completa, Orfeu dará o inferno dele (assim esperamos) e sua família se libertará!

Como já disse são muito pontos altos na trama além dos principais raios de Sol.  O protagonismo negro, a trilha sonora variada,  a qualidade dos diálogos, a abertura com aqueles fragmentos de Brasil, o retiro em Lumiar, os figurinos, a qualidade dos ganchos, o humor refinado e tantos temas sociais e injustiças que vem a nós todos os dias assim na trama como nos jornais e redes. O racismo que grita, os meandros morosos da justiça, a estridência das redes sociais que tanto levanta quanto derruba reputações, o tráfico que coopta os jovens (Salve, Mc Cabelinho!)  e os dramas morais e triângulos amorosos que fazem sempre o alicerce das grandes histórias desde sempre, porque personagem bom é personagem ambíguo e nessa novela todos são! Por isso Vamos na Fé sempre! Graças a Deus, à Santa Clara e aos Orixás também para o bem de Ben! E a Molière também!!!!!

sábado, 18 de março de 2023

Mar do Sertão, um final da mulesta!



 

Findou-se ontem a magistral trama Mar do Sertão, da autoria de Mário Teixeira e direção luxuosa de Allan Fiterman. Pense numa novela que só nos deu alegrias, uma sucessão de acertos e se falhas houve não fez coro no conjunto exitoso da obra. Terminou, mas seguirá conosco como todas as boas histórias.

O microcosmo da pequena cidade fictícia do Nordeste como metonímia do Brasil é um topos que já deu muito certo antes em Sucupira, Saramandaia, Santana do Agreste, Asa Branca, Tubiancanga, Serro Azul e outras coordenadas imaginárias e que agora se repete em Canta Pedra. Nessa pequena aldeia temos um mundo (Salve, Tolstoi) com todos os seu vícios e virtudes e a crença esperançosa de que as pessoas, quando querem, podem melhorar, sobretudo, pela via dos afetos.

Como bom folhetim, temos no centro da narrativa uma disputa amorosa entre dois irmãos e a protagonista Candoca, médica destemida, mocinha ressignificada na coragem e trabalho, mas o amor romântico não foi exatamente o ápice da trama, embora costurasse muitas pontas dessa bonita colcha de retalhos, fuxicos e lives. A amizade, o amor ágape, foi quem deu a letra nesse outro cordel encantado. Além da amizade das três Marias (as Pestes, porque amigo de verdade se xinga sem problema), o afeto dos amigos brilhou na telinha.

Seja entre Zé Paulino e o Príncipe e os outros “pares da França” (Advogado, Dentista, Gerente, Leiteiro e cia ), seja entre Xaviera e boa parte do núcleo (Nossa Amélie sertaneja), com destaque para as crianças, seja entre Catão, Ismênia com o Coronel redimido, ou na força da relação entre o Padre e a Pastora. E o que falar da lealdade de Timbó, na pobreza e na riqueza, uma belezura de personagem esse nosso bom malandro picaresco em oposição ao mundo dos corruptos caricaturais do poder (Prefeito, Agiota, Delegado) que certamente entra na galeria dos inesquecíveis. Daqueles que passam a fazer parte do nome da novela, A novela de Odete Roitman, a novela de Carminha, a novela de Félix, a novela de Bibi, a novela de Timbó!

Vale notar que esse fenômeno é mais comum nas tramas das 21:00 que sempre têm maior audiência e alcance, mas o danado do Timbozinho, a quem Enrique Diaz deu a alma e junto com sua Tereza, Clarissa Pinheiro maravilhosa, que trocou de vestido, simples como ela, mas não de alma e deram um outro destino aos nossos Fabianos e Sinhas Vitórias, inclusive porque aprenderam a ler e passaram  ajudar seus camaradas! Para simbolizar a força da amizade, as rosas de Nossa Senhora para Xaviera só podiam ser amarelas!

Sobre o capítulo final, o triunfo da justiça deu o tom do bem vencendo o mal, mesmo que essa sombra cabruquenta sempre ali esteja nos ameaçando como foi mencionando no belo texto de Zé Paulino na inauguração do açude. Água em lugar de petróleo, porque Timbó é sustentoso! Não haveria final melhor para Deodora que seu veneno (Bruxa) matar a única pessoa que importava para ela, o manipulável Tertulinho, a quem em nós despertava mais piedade que raiva,  e amargar sua pena com seu remorso do que poderia ser diferente.

E Xaviera prefeita com seu vestido vermelho subindo a rampa com o povo depois de ter sua “ficha limpa” não é mera coincidência, aquela piscadela do autor para os expectadores atentos. A vitória da mulher, dos jovens, da imprensa livre, de novas faces no poder tudo junto e misturado. Ao cortar a fita da inauguração do açude batizou uma nova era em Canta Pedra e no banho coletivo uma cena de congraçamento com a vitória do amor e da amizade, com todos os mitos da primavera presentes nos abraços, beijos, crianças e bebês a caminho. Teve muito “Quero te pegar bebê” com muitos casais se formando no final, nota especial para Cidão e Casimiro, Mirinho e Cyra, Coronel e Pastora porque no folhetim romântico o amor redime e transforma vícios em virtudes!

E a cena final com a dupla Juzé e Lukete liderando o Bando Anunciador que não mais chamaria as cenas dos próximos capítulos, mas o final de Mar do Sertão e a chegada de Amor Perfeito, foi de "torar" como dizemos por aqui. E o elenco se misturando com toda equipe ( A gente não vê, é quem faz a magia acontecer) cantando e dançando em total comunhão, com aquela algazarra desorganizada das festas de rua foi da mulesta mesmo! Porque cantar parece com não morrer é igual a não se esquecer que a vida é que tem razão...Queria saber fazer um cordel, um xote, um xaxado, um forró para manifestar minha admiração por essa narrativa, mas vai em prosa mesmo! E que venha Amor Perfeito que bebe na fonte de Marcelino Pão e Vinho porque sem as fontes nada criamos, seja nas cacimbas do sertão ou nos vinhos da Espanha.

 

 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Mar do sertão, um mar de histórias


 

A novela das 18:00, agora das 18:30, tem sido um refresco geladinho ou um cafezinho com bolo para nós amantes da teledramaturgia. Aquele momento especial em que nos deliciamos e nos envolvemos com a leveza, humor e sensibilidade de uma novela, trio que o Brasil precisa. Da autoria de Mário Teixeira, a trama é um deleite e tem se encaminhado para o fim sem perder seu charme já visto em outras histórias desse horário, pois não há como não notar seu parentesco com Cordel encantado, Êta mundo bom ou Flor do Caribe dentre outras.

Aliás, um dos seus pontos fortes é a riqueza intertextual. O texto bebe em muitas fontes orais, nas cacimbas de Ariano Suasuna, que por sua vez bebeu em Gil Vicente e por aí vai nesse mar de histórias que se cruzam e se bifurcam. É perceptível em primeiro plano o modelo do auto medieval com seus personagens tipos circulando numa praça: O padre, o coronel, o agiota (onzeneiro), a mocinha, o político, o delegado, o parvo esperto, o aventureiro, o príncipe, o comerciante e muito mais. Com o acréscimo moderno de que o autor aprofunda esses tipos e cria outros dando mais camadas para todos eles. Sempre seguindo o mote latino do ridendo castigat mores. Todavia, todos estão nas barcas do céu e do inferno simultaneamente.

Destaca-se na trama, entre tantos poços de petróleo, a força dos afetos dos simples em oposição às tramoias dos poderosos. A amizade entre as três meninas guerreiras lideradas pela heroína doutorinha Candoca que a todos socorre no corpo, na alma e na ética ou na leal relação de José Paulino com Timbó passando pelo Príncipe. Timbó merece todos os nossos elogios, uma personagem que rouba as cenas e circula em todos os núcleos.

Timbó é o nosso já conhecido pícaro, aparentemente parvo, mas esperto que só ele, já tão bem desenhado no Malazartes, Macunaíma ou na dupla Chicó e João Grilo e agora por Enrique Diaz que o faz brilhar em cada olhar, palavra ou silêncio. A sua cena consolando o amigo sob o céu estrelado e apontando os pranteados pais no firmamento foi de uma beleza ímpar.

Vale registro também Xavieira e sua doce complexidade, quer até ser malandra, mas tem um coração que não a permite ultrapassar a fronteira e acaba encontrando suas reais companhias nas crianças, outro núcleo delicioso que espelham seus pais. E sua antípoda talvez seja Teodora, mal sem medidas.

A novela é rica em muitos e muitos aspectos, observem, que apesar de ser uma novela interiorana e rural, que temos muitas cenas em ambientes fechados grutas, casas, pensão, sacristias, gabinetes, consultórios, choupanas, celas, mostrando um universo íntimo das personagens em suas relações e todos esses espaços guardam segredos.

Voltando às cacimbas em que bebem essa trama que também é das mil e uma noites, agora no final vamos de Caim e Abel e possivelmente de tragédia grega. Além de irmãos rivais, tudo leva a crer que há algo mais ali que beira os filhos de Édipo, uma troca de bebês está sugerida no segredo de confissão, até Ismênia pode ser testemunha.

Agora o que é bom, bom mesmo como a rusga cordial do padre com a pastora, as angústias de Pajeú ou as tretas de Cira nesse Mar de Histórias, é que a gente ri muito, muito mesmo, porque o texto é de prima e os atores mais ainda! E por falar em prima, as cenas dos próximos capítulos são a cereja do bolo, a manteiga derretendo no cuscuz, a canela por cima do mingau de tapioca, o coco da canjica porque o sertão é um baú de receitas sem fim! Êta mulesta, Êta mulesta...