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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Ligações perigosas: Entre cartas, alcovas e sussurros...

 
A minissérie exibida nesse início de ano é uma adaptação do clássico francês Les liaisons dangereuses, de Choderlos de Laclos(1741-1803), publicado em 1782. Romance do gênero epistolar que narra, ao longo de mais de uma centena de cartas, os bastidores da aristocracia francesa antes da Revolução(1789), através da correspondência  entre A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont. Ricos, frios, libertinos, ociosos e amorais, encontram seu prazer na manipulação e sedução. Aliás, essas são as palavras de ordem da obra, também e tão bem preservadas na adaptação brasileira (bem como para o cinema americano nos anos 80, excelente filme com Glenn Close e John Malkovich).
Escrita por Manuela Dias com supervisão de texto de Duca Rachid, direção geral de Vinícius Coimbra e direção de núcleo de Denise Saraceni, a trama foi ambientada no Brasil na primeira metade do século XX. Com fotografia, figurino, cenário e texto irretocáveis, temos a nossa Marquesa, Isabel D´Ávila de Alencar (Patricia Pillar) e o nosso Visconde, Augusto de Valmont (Selton Mello). Mestres nos jogos vorazes dos destinos, usam as personagens ao seu redor como se a vida fosse um tabuleiro, onde eles vão movendo as peças e conduzindo os fios das criaturas que se tornam títeres indefesos em suas mãos, fantoches dirigidos pelo casal de protagonistas. Vale lembrar que manipular vem do latim manipulus, manipulare, manipulatio, manipulator, compostos por sua vez das raízes latinas manus (mão) e pleo (encher), ou seja, sob suas mãos se enredam todos.
Um dos aspectos mais intressantes da trama é o tom de segredo metaforizado pelas cartas e seu lacre vermelho. Tudo é muito sutil, muito silencioso, muito baixinho,  os sussurros vão regendo a narrativa, como as teias da aranha que vão lentamente atraindo suas presas. Através das frestas das portas, do trançado das gelosias, da fechadura das alcovas, das remadas dos botes  e dos cocichos dos subalternos os planos de sedução e vingança vão se concretizando na penumbra, enquanto nas salas e salões toda a luz é mantida.
Nessa mesma cadência do sussurro, segue o erotismo explorado a cada capítulo, sempre em doses bem administradas (manipuladas de acordo coma necessidade do paciente), pois os manipuladores não tem pressa em retardar seu gozo de prazer, triunfo e vingança. Basta que descubram as fraquezas das presas (todos temos), pois como no conto de Machado de Assis, A igreja do diabo, em cada manto de seda há uma franja de algodão, puxemos a ponta e a virtude pode virar vício.
Nossa Marquesa é a própria encarnação da Viúva Negra, megera indomada, dissimulada e charmosa. Nosso Visconde, o próprio Don Juan, o prazer reside na conquista, uma vez sua, já não lhe serve, é hora de partir para outros lençóis. Todavia, os planos começam a ruir e prevemos que serão mudados de fato, pois vejam só, tem um amor no meio do caminho. E este Senhor costuma ter mania de alterar os rumos, não importa quais sejam as regras do jogo. O nosso Visconde dos trópicos começa a se render à doce e pia Mariana( como a Sóror Portuguesa), troféu tão difícil de conquistar, tão frágil e tão forte, agora consumida pela culpa que tenta expurgar com o seu sangue(esperamos que não tenha o mesmo fim de Emma, Luísa ou da Dama das Camélias).
Como leitores/espectadores românticos que somos, torcemos pela redenção, pela remissão dos seus pecados pela via amorosa. E enquanto isso seguimos curiosos pelos segredos sussurrados  sob o lacre vermelho...Pois mais adiante, o tom é outro, o vermelho é outro, é uma guerra, Neguinho...

5 comentários:

  1. Disse-me - não posso falar pelos outros - muito mais que vejo nas cenas da trama. Mas, hei de titubear ante o "românticos que somos". Perguntarás o porquê, e eu direis na voz revisitada da poesia: " Eu gosto dos que têm fome, dos que morrem de vontade, dos que secam de desejo... dos que ardem."

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  2. Gutho, é sempre um deleite suas colaborações. Continuemos...românticos ou não...

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  3. Alana, a sua resenha está irretocável. Essa adaptação apresentada pela Globo mais uma vez merece aplausos. A transposição do século XVIII para os anos 20 do século passado está esplendorosa, o luxo, os cenários, a carga de sensualidade e erotismo, tudo enfim está muito bom, inclusive a autora/adaptadora apresentou uma narrativa mais clara, sem o jogo de palavras e gestos sutis que eram tão peculiares aos nobres do ancien régime, para que alcançasse um público vasto não tão familiarizado com a narrativa do romance original. A urdidura da trama realmente lembra as teias da viúva-negra, sempre pronta à captura de suas vítimas. Li esse romance ainda na década de 80 (já lá se vão alguns anos) e na mesma época fiquei encantado com a produção do Stephen Frears (tenho o DVD e assisto ao filme de vez em quando). Tem uma outra produção baseada na obra que também é muito boa, Valmont, mais enfocada no próprio Visconde, mas gosto mais da primeira citada, cujos cenários e figurinos são deslumbrantes. Sinto informar aos desavisados que Mariana terá sim o mesmo fim de Luísa, Anna Karênina, Emma Bovary e outras heroínas românticas do XIX, o adultério era sempre marcado pela punição das personagens femininas. Assim como postei anteriormente, reitero o meu comentário de que a Globo tem milhares de defeitos, mas as suas produções de época e a atuação de seus excelentes profissionais a redime de alguns dos seus pecados. Parabéns pelo seu texto, sempre nos surpreendendo.

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    1. Obrigada, Cleber, pela leitura atenta e colaborativa. Concordo contigo que a produção da dramaturgia global é de alta qualidade estética, oferecendo momentos de deleite ao seu público. Não entro nessa briga ideológica que se trava contra a emissora, pois sabemos que nunca haverá discurso inocente, prefiro saborear nossos bons goles de ficção e convidar os amigos para brindarmos por aqui, privilegiando sempre a análise literária e seus múltiplos fios.

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  4. Amiga, amei o texto! Aguardando, ansiosa aqui, o último capítulo da minissérie! Grande atuação de Patrícia Pilar e Selton Melo.

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