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sexta-feira, 27 de março de 2020

Éramos Seis: Um sopro novo na casa da Avenida Angélica

                                                                        Para Aleilton Fonseca e seu amor à boa ficção...

O romance Éramos Seis, de Maria José Dupré, entra para a história da literatura e teledramaturgia brasileira (incluindo uma radionovela) como o livro que sofreu mais adaptações para a televisão. A vida de Dona Lola e sua família foi novamente reescrita para essa nova versão que hoje se findou poeticamente no horário das 18:00h. O romance publicado pela primeira  vez em 1942 conta a história de uma família e sua casa na capital paulista durante 28 anos, entre 1914 e 1942, período compreendido entre as duas Grandes Guerras e suas mudanças sociais vertiginosas. Meu primeiro contato com o livro foi através de sua publicação pela Série Vaga-Lume nos anos 80. Hoje acho que foi uma erro sua inclusão nessa coleção, pois não se trata de um livro juvenil, mas que bom que muitos jovens o leram...
No romance vale destacar o protagonismo da casa, que ganha estatuto de personagem, elemento ressaltado na abertura da novela. Durante anos a família de Júlio e Lola luta para quitar aquela casa, sonho alimentado por anos e objeto de muita discussão e desavença entre o casal. Sacrifícios imensos foram feitos para o pagamento da mesma, só concretizado após a morte do pai e de Carlos, o sangue desse foi parte do pagamento final.
O remake atual, escrito por Ângela Chaves, trouxe muitas novidades para os habitantes da casa da Avenida Angélica, para seus vizinhos, agregados e todos os núcleos da trama. A autora ampliou vários núcleos, costurou temas novos como feminismo, racismo, arte-terapia e desenvolveu com densidade personagens que apenas foram citados no livro ou criou mais figuras e histórias paralelas que enriqueceram a narrativa. A exemplo de Zeca,  marido de Olga, que é construído de leve no livro e foi ampliando de forma incrível na tela com o talento de Eduardo Sterblitch e sua amada, a excelente Maria Eduarda de Carvalho, rendendo belas cenas de humor e amor em Piratininga. Aliás o sítio cresceu bastante nessa versão com  as peraltices das crianças,  a passagem de Justina e as graças de Tia Candoca (maravilhosa Camila Amado) que ganhou ao final dois prêmios: um namorado  e um batom vermelho.
Creio que o mais interessante nessa versão foi a possibilidade de reescrever outros finais, inclusive com a presença de três Lolas em cena (Glória Pires, Irene Ravache e Nicete Bruno) levando em consideração a potência do nosso tempo. O final feliz de Lola ao lado de Afonso foi tecido com as tintas da delicadeza de um amor maduro que teve a paciência da espera e da compreensão como ingredientes, simbolizada pela Carta de São Paulo aos Corintos na cerimônia do casamento.  Foi bonito ver os dois juntos, pensando por um momento na felicidade deles antes das dos filhos. Outro final reescrito com belas tintas foi o de Clotilde, tão sofrida no romance, teve sua felicidade reescrita ao lado do Sr. Almeida.. Além do sucesso de Durvalina como Cantora do Rádio e o encontro com seu filho.
A novela ainda foi muito feliz em trazer para trama novos olhares para as discussões políticas e sociais que permearam a novela através de vários fatos históricos que atravessam a vida dos personagens. Tivemos nessa última semana a prisão de Lúcio (Jhona Burjack, revelação de jovem ator num papel de muita dignidade) numa manifestação que homenageava Rosa de Luxemburgo, tal cena foi motivo para trazer à tona termos como Liberdade de Expressão, Comunismo, Fascismo, palavras que voltaram ao nosso palco, infelizmente em arenas  de bipolaridade feroz, dentre outros momentos que o texto sutilmente dialogava com o calor da hora de hoje.
O capítulo final foi de uma beleza ímpar, todos irmanados na Ceia de Natal na casa de Dona Lola, que novamente voltou às suas mãos. Em lugar da solidão do romance onde Éramos Seis e só restava ela e suas lembranças melancólicas, a novela nos brindou com um Éramos Muitos em torno da mesa, alimentando nossa esperança por dias melhores junto aos nossos afetos nos deliciando com as rabanadas douradas...



13 comentários:

  1. Professora Alana, você arrasa sempre!
    Belo texto!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Ótima análise pró Alana. A obra nos mostra o poder da literatura em adentrar os lares brasileiros,humanizando-os.

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  4. Emocionada com seu texto, professora Alana.

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  5. Alana, a casa de Dona Lola sempre me lembrou as casas amáveis poetizadas por Cecília Meireles. Daí surgiu uma simpatia desde a primeira cena. A história é muitíssimo significativa para mim, pois foi baseada no primeiro livro que ganhei de presente. Foi como a Felicidade Cladestina escrita por Clarice: eu escondia o livro para achá-lo depois cheio de alegrias... Mas, lembro que também chorava demais a cada página quando os personagens começaram a morrer. Foi duro para um adolescente que vivia dos livros guardar uma dor por tanto tempo. Anos depois, a novela vem, definitivamente, me libertar da dor guardada e me enchendo de alegrias, com esse final feliz cheio de um reatar tão mister, de encontros tão sine qua non, tão alivia-dores. O folhetim, mais uma vez, sendo ar que todos respiramos, poetizando angústias e, melhor que tudo, nos mostrando que somente o amor nos salva e nos move.

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  6. Que final perfeito! Eu levei na cara, critiquei muito essa novela, no início, achava lenta, densa, triste e pesada para uma trama das 6. Mas a trama foi crescendo e conseguiu prender a atenção do público. Uma novela muito bem feita, numa riqueza histórica e poética imensa!

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  7. Que maravilha ler este texto e enxergar a sua arte de falar das artes. Obrigado Pró, amiga e artista Alana!!!

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  8. Ótima análise pró Alana. A novela nos mostra o poder da literatura em adentrar aos lares,humanuzando-os.

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