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sábado, 8 de outubro de 2022

Pantanal, um final grandioso

 

Por quase sete meses o Brasil parou para ver Pantanal, comoções assim em torno de uma trama das 21:00h (21:30/21:50) eu só me recordo de Roque Santeiro, Vale Tudo e Avenida Brasil, minha mãe me conta sobre Irmãos Coragem, que ouvia pessoas na rua gritando e chorando “mataram João Coragem” na era dos televizinhos. O nosso país, tão dividido, se uniu em muitas noites e em outros turnos para ver uma mulher virar onça, um velho virar sucuri, um peão endemoninhado e uma muda que falava, mas, bem mais que as tintas da fantasia e alegorias, os telespectadores de diversas telas pararam para ver e rever, pois trata-se de um remake, um pedaço do chão pouco conhecido ou retratado nas narrativas.

Conheço pessoas que não viam mais novelas há muito tempo e retomaram o hábito, jovens experimentando o gênero pela primeira vez, muitas assinaturas de Globoplay para quem não pode acompanhar no horário e, nós noveleiros inveterados, encantados a cada capítulo com algumas restrições como o figurino de Guta, a cena da violência contra Alcides e o excesso de publicidade. O sucesso em várias faixas etárias, camadas sociais e regiões diversas mostram o vigor das novelas em plena era das multitelas. Aliás, a chamada segunda tela ou também a social tv reinou absoluta durante a sua exibição, uma enxurrada de memes, bordões, opiniões, matérias diversas em vários programas e conversas paralelas em grupos de mensagens mostram que nós ainda amamos a telinha e o pó de plim plim da Globo.

A trama de Bruno Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa, foi fiel o que quanto possível três décadas depois da versão de 90 na Rede Manchete, num dos raros momentos em que uma emissora bateu na Vênus Platinada, mas não era coerente manter algumas questões com o tratamento do passado. Então fomos brindados com momentos didáticos sobre sustentabilidade, feminismo, homofobia e outras tantas pautas em meio a uma leva de cenas de rara beleza marcada por uma fotografia deslumbrante, texto rico, atuações fortes e personagens que extrapolam o limite dos meus adjetivos, como o mítico Vei do Rio, encarnado por Osmar Prado, uma inspiração clara das veredas rosianas.

 

E enfim chegamos ao grande final (ara, larga mão que eu não vou falar Grand finale, embora a ocasião mereça pompa e circunstância). São tantos os elementos a destacar no capítulo de ontem que terei que me limitar a alguns. Comecemos pela força da cena entre Tadeu e seu avô Joventino que ele tanto desejava e precisava ver para se sentir também um Leôncio, a força do afeto em detrimento do sangue (o neto do amor) rendeu um momento de muita emoção, e na cena posterior dele com o pai, as falas, os abraços e os silêncios tocaram fundo na gente.

Os casamentos e as crianças coroaram os mitos da primavera, da continuação festiva da vida, do riso e da prosperidade. Durante a festa, numa bela cena sinfônica, vários acontecimentos simultâneos foram traçando os finais, tais como a libertação das bruacas que tomaram as rédeas da sua vida e se tornaram amigas (Tô certa ou tô errada?), a dança de Alcides com Zaqueu (a amizade é o tipo mais fino de amor) quebrando as bancas de muitos preconceitos, assim como o surgimento de um par para o Peão Frosô que buscou seu espaço à unha naquele meio tão hostil para as diferenças.

Obviamente, a morte do protagonista e seu sonhado encontro com o pai foi forjada pelo primor estético e simbólico. A troca de lugar para que o Véi pudesse descansar e se integrar de vez à natureza marcou uma cena grandiosa calcada na força de muitos mitos. A voz de Benedito Ruy Barbosa no final também traz a ideia de passar o bastão para o neto e seus bisnetos na trama costuram a ideia do correr da vida e do ciclo natural que age independentemente da nossa vontade.  

E por falar em mitos, o corpo de Zé Leôncio sendo conduzido no barco revisita com força a face de Caronte. E Filó Senhora do Pantanal, com seus cabelos encanecidos assumiu seu posto de Rainha que exercia com tanta sutileza ao longo da história. E como dezembro vai e janeiro vem, aqui ficamos já saudosos dos rios que cortam o coração do Brasil e esperançosos porque outras Travessias nos aguardam, mas esse berrante fará falta...

16 comentários:

  1. Que comentário crítico e elegante que exala literacidade...

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  2. Sim, Alana: foi exata e literariamente assim!

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  3. Realmente o final me deixou sem fôlego com beleza e intensidade

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  4. Excelente análise. E, o final, grandioso. Valeu!

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  5. Pantanal realmente entrou para a história da teledramaturgia brasileira como um monumento. Uma novela cativante. Seu texto é um resumo disso, querida professora Alana Freitas. Um abração, Fabrício Oliveira.

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  6. Caronte, e A terceira marginal do rio!

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  7. Exemplar. Gosto muito da fluidez de seu texto, entre margens, direto a foz. Não acompanhei sistematicamente por motivos mesmo de agenda e disposição, porém assisti a alguns capítulos de maior burburinho nas redes e no boca a boca. Mas penso que você poderia pensar em um livro sobre esses estudos e análises televisivos e literários.

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    1. Obrigada, caro leitor. Tenho vontade de fazer o livro sim , bem bonito cheio de imagens.

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  8. Parabéns! Você sempre nos brindando com belos textos!

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  9. Não assisti à novela, mas seu texto é maravilhoso, muito gostoso de ler. Fiquei com aquele sentimento de "por que não assisti..." Parabéns!!!

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