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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Mar do sertão, um mar de histórias


 

A novela das 18:00, agora das 18:30, tem sido um refresco geladinho ou um cafezinho com bolo para nós amantes da teledramaturgia. Aquele momento especial em que nos deliciamos e nos envolvemos com a leveza, humor e sensibilidade de uma novela, trio que o Brasil precisa. Da autoria de Mário Teixeira, a trama é um deleite e tem se encaminhado para o fim sem perder seu charme já visto em outras histórias desse horário, pois não há como não notar seu parentesco com Cordel encantado, Êta mundo bom ou Flor do Caribe dentre outras.

Aliás, um dos seus pontos fortes é a riqueza intertextual. O texto bebe em muitas fontes orais, nas cacimbas de Ariano Suasuna, que por sua vez bebeu em Gil Vicente e por aí vai nesse mar de histórias que se cruzam e se bifurcam. É perceptível em primeiro plano o modelo do auto medieval com seus personagens tipos circulando numa praça: O padre, o coronel, o agiota (onzeneiro), a mocinha, o político, o delegado, o parvo esperto, o aventureiro, o príncipe, o comerciante e muito mais. Com o acréscimo moderno de que o autor aprofunda esses tipos e cria outros dando mais camadas para todos eles. Sempre seguindo o mote latino do ridendo castigat mores. Todavia, todos estão nas barcas do céu e do inferno simultaneamente.

Destaca-se na trama, entre tantos poços de petróleo, a força dos afetos dos simples em oposição às tramoias dos poderosos. A amizade entre as três meninas guerreiras lideradas pela heroína doutorinha Candoca que a todos socorre no corpo, na alma e na ética ou na leal relação de José Paulino com Timbó passando pelo Príncipe. Timbó merece todos os nossos elogios, uma personagem que rouba as cenas e circula em todos os núcleos.

Timbó é o nosso já conhecido pícaro, aparentemente parvo, mas esperto que só ele, já tão bem desenhado no Malazartes, Macunaíma ou na dupla Chicó e João Grilo e agora por Enrique Diaz que o faz brilhar em cada olhar, palavra ou silêncio. A sua cena consolando o amigo sob o céu estrelado e apontando os pranteados pais no firmamento foi de uma beleza ímpar.

Vale registro também Xavieira e sua doce complexidade, quer até ser malandra, mas tem um coração que não a permite ultrapassar a fronteira e acaba encontrando suas reais companhias nas crianças, outro núcleo delicioso que espelham seus pais. E sua antípoda talvez seja Teodora, mal sem medidas.

A novela é rica em muitos e muitos aspectos, observem, que apesar de ser uma novela interiorana e rural, que temos muitas cenas em ambientes fechados grutas, casas, pensão, sacristias, gabinetes, consultórios, choupanas, celas, mostrando um universo íntimo das personagens em suas relações e todos esses espaços guardam segredos.

Voltando às cacimbas em que bebem essa trama que também é das mil e uma noites, agora no final vamos de Caim e Abel e possivelmente de tragédia grega. Além de irmãos rivais, tudo leva a crer que há algo mais ali que beira os filhos de Édipo, uma troca de bebês está sugerida no segredo de confissão, até Ismênia pode ser testemunha.

Agora o que é bom, bom mesmo como a rusga cordial do padre com a pastora, as angústias de Pajeú ou as tretas de Cira nesse Mar de Histórias, é que a gente ri muito, muito mesmo, porque o texto é de prima e os atores mais ainda! E por falar em prima, as cenas dos próximos capítulos são a cereja do bolo, a manteiga derretendo no cuscuz, a canela por cima do mingau de tapioca, o coco da canjica porque o sertão é um baú de receitas sem fim! Êta mulesta, Êta mulesta...


7 comentários:

  1. Alana,
    Não consigo ver novela por ser longa demais. O diabo é que ao ler seu bem bolado texto fiquei com vontade de ligar a TV no horário indicado.
    Menina, você é uma feiticeira danada.

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  2. Como sempre, Alana, você é demais!!

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  3. Excelente analise. Belissimo texto. Obrigada.😉🌷

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  4. Excelente análise como sempre, pró Alana.As cenas da novela nos prendem e como uma boa trama,deixa um gostinho de quero mais nos próximos capítulos. Além disso, apresenta um quê de Suassuna, como bem colocou.

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  5. Oh, Pró, lendo isso dá até vontade de assistir, mas agora já era... Fica para "Vale a pena ver de novo"...

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  6. Uma delícia de análise!

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  7. Que análise primorosa! Sinto não estar acompanhando de perto essa belezura.

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