Instagram

https://www.instagram.com/entretelasblog/

domingo, 20 de agosto de 2017

Mulher Maravilha: Uma heroína grega na Primeira Guerra

A imagem da Mulher Maravilha com seu collant (naquele tempo não se dizia body) baseado na bandeira dos Estados Unidos, sua tiara, seu laço da verdade e seus voos e saltos povoaram toda a minha infância e acredito que todas as meninas da minha idade. Afinal, era uma mulher dentre tantos super-heróis. Eis que tive um maravilhoso reencontro com ela essa semana na nova versão do filme Mullher Maravilha (2017) sob a direção de Patty Jemkins, com roteiro de Allan Heinberg. 
Agora, Diana Prince (Deusa da caça e princesa) representada pela talentosa e lindíssima Gal Gadot, é construída com a força de suas origens míticas, e essa parte inicial conduz toda a diferença nessa narrativa. Ela é a Princesa das Amazonas, lendária tribo de mulheres guerreiras, treinadas desde a infância para combater o Mal, representado pelo mito grego de Hades (Deus dos infernos), no filme  Ares, vilão da DC. Vivem isoladas numa Ilha paradisíaca quando, numa espécie de portal do tempo, o piloto Steve Trevor (Chris Pine) vem ferido parar nessa ilha (tal cena nos remete á Odisseia, quando Ulisses aporta na Ilha de Ogígia e é aprisionado pela deusa Calipso), na verdade um espião (revelado pelo laço da verdade) soldado da Primeira Guerra (naquele tempo ainda A Guerra, pois não sabia-se que viria a Segunda).
A partir desse inusitado encontro de tempos históricos, filosóficos e ideológicos tão distintos nasce a raiz dessa arrebatadora trama. Diana Prince segue com Steve para os “Tempos modernos” e vai combater nas trincheiras da Guerra usando suas armas, seus super poderes e, sobretudo, seu código de ética heroico pautado nos valores do mundo grego. Ela o acompanha acreditando estar em busca de Ares e que ao derrotá-lo o mundo estaria salvo do Mal. É simbólico o fato de ela se apresentar, dizer seu nome, sua origem e de onde vem, sempre que vai combater um inimigo (era o usual nas guerras antigas). O choque entre esses dois mundos se dá em vários momentos e suscita diálogos hilários. Para ela é incompreensível os motivos de uma guerra, os modus operandis e as estratégias usadas pelas tropas modernas que lutam por riquezas e poder. A passagem dos mercenários negociando com eles é bastante significativa ( e a redenção deles no final muito emocionante).
Em sua Teoria do Romance, G. Lukács[1] situa o mundo grego, berço da epopéia homérica, como um sistema cultural fechado. Nesse sistema, os fatos narrados mantinham consonância com o conjunto de crenças e valores que conferiam coesão à sociedade grega. Na Grécia homérica, a mesma de Diana Prince, não há abismo entre imanência e transcendência, que formam um todo coeso; de modo que as verdades contidas na mitologia clássica estão presentes na trajetória de vida das personagens. Em contrapartida, por serem ilustrativas de um mundo marcado pela instabilidade, as formas modernas, representadas no filme pelo absurdo da Guerra, trazem em seu bojo existências marcadas pela desorientação e nostálgicas de um sistema mais estável. Nessas formas, se delineiam aventuras de busca de valores estáveis que pudessem superar os abismos intransponíveis entre existência e transcendência.
Eis a grande sacada do filme, a oposição entre esses dois mundos. O grego orientado, representado pela nossa Mulher Maravilha, e o moderno desorientado, representado por Steven e demais envolvidos na Guerra. Mas ao longo do filme, Diana vai imprimindo em Steven e em seu pequeno e inusitado exército seus valores e eles vão se moldando aos ideais guerreiros do mundo helênico e é claro que surge uma linda história de amor, doação e heroísmo (não conto mais para não dar spoiler).
Eis também um grande filme... Diana, de fato, encontra o Ares que buscava (excelente surpresa de quem ele é realmente), e a batalha épica entre eles é colossal com belíssimos efeitos especiais e aquela emoção que nos faz pular da poltrona ou do sofá (no meu caso da cama)! Apesar dos horrores da Guerra e da distópica ideia de que o mal vige no homem como cunhou o Riobaldo de Guimarães Rosa, o final é glorioso e vivificante, vence a ideia de que apesar da coexistência do Bem e do Mal, nossas ações e decisões podem mudar o rumo da História e das nossas histórias e que como não somos super-heróis não pudemos salvar o mundo, mas podemos salvar o dia de algumas pessoas...Vale a pena ver e rever essa venturosa heroina....De collant ou de Body...





[1] LUKÁCS, Georg. A Teoria do Romance. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Ed. 34, 2000.

12 comentários:

  1. Excelente comentário, mais uma vez parabéns

    ResponderExcluir
  2. Excelente comentário, mais uma vez parabéns

    ResponderExcluir
  3. Para mim foi uma grata surpresa. Há até uma campanha para indicarem a diretora ao Oscar. Verei novamente.
    Ótima análise, pró.
    Juliana Salles

    ResponderExcluir
  4. Também fui surpreendida, o cruzamento dos tempos históricos foi uma golpe de mestre! Merece Oscar mesmo!

    ResponderExcluir
  5. Comentários sempre pertinentes, pró. Na época do lançamento, fiz um comentário sobre esse novo filme da DC no Instagram. Segue: "Não é simplesmente a narrativa de origem de uma heroína, #MulherMaravilha é poder feminino emanando dos bastidores às telas. A diretora Patty Jenkins brigou para manter cenas importantes no longa, tudo que está ali tem um significado, nada foi deixado ao acaso; é um projeto pensado e executado com maestria. Por sua vez, Gal Gadot enfrentou as críticas sobre sua escalação e assumiu a divindade e a feminilidade necessárias para encarnar Diana Prince. No filme, ao lado da princesa das amazonas, encaramos o mundo machista do século XX e a perversidade da guerra. Cenas limpas, bons efeitos. Diana reflete e refrata o poder da mulher. Posso ainda ter dúvidas sobre se a [Liga da] Justiça pode ser estabelecida através do Amor, mas tenho certeza de uma coisa: "No princípio era a Mãe, o Verbo veio depois"

    Um abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Excelente, caro leitor! Gostei demais da ideia do diálogo entre dois mundos tão distintos e os tipos de heroísmo que pode emanar de cada um deles... Continuemos atentos!

      Excluir
  6. Excelente! Amei! Obrigada por compartilhar

    ResponderExcluir
  7. Obrigada, um prazer receber sua visista por aqui! Continuemos em diálogo!

    ResponderExcluir
  8. Excelente análise!!! Fiquei encantada com o filme.

    ResponderExcluir
  9. Assisti hoje ao filme. Vim ao blog reler o post sobre Santo dos Anjos e encontrei este post. Coincidência? Não acredito muito rsrs.
    O fato é que o filme é realmente muito bom! Essa releitura e suas palavras me fizeram pensar nos tempos de guerra moral em que vivemos. Penso nisso todos os dias! Parece que realmente nada que fazemos é capaz de mudar a situação geral da nação/mundo, mas como bem dito, no filme e (re)dito por vc, não somos heroínas, mas podemos salvar(mudar) o dia de algumas pessoas. E aproveito pra completar que todo dia podemos nos salvar desta guerra. E no ano são 365 dias. Quantas mudanças/salvamentos né?
    Dizem que uma andorinha só não faz verão, em partes discordo, depende de qual dimensão de verão estamos falando.
    Obrigada por sua sempre envolvente escrita!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, caríssima leitora. Sim, o filme ficou belíssimo e otimista. Vc muda o dia de muita gente com sua pedagogia.

      Excluir