Essa
semana estamos acompanhando o final de O outro lado do Paraíso de
Walcyr Carrasco. Não creio que seja uma novela que entrará para a lista das
favoritas do país marcando seu imaginário, não a considero uma grande novela
como um todo, mas digamos que seja uma boa novela, que cumpre seu duplo papel
de entretenimento e discussão de temas polêmicos, com grandes pequenos
momentos. Walcyr já nos deu belos banquetes dramatúrgicos como em O Cravo e A rosa ou Amor à
vida, já faz parte do panteão dos melhores autores e segue firme a nos contar
boas histórias.
Dentre
esses grandes pequenos momentos destaquemos como ponta de lança a atuação
marcante dos atores da terceira e já quarta idade. Fernanda Montenegro que
estamos acostumados a ver, em sua maioria, em papeis de mulheres sofisticadas e
urbanas, encarnou sua Dona Mercedes com uma maestria que nos faz lembrar uma
sacerdotisa ou sibila mítica. Sua sábia rezadeira nos deu lances emocionantes
durante a trama, que vão do enfrentamento e vitória sobre a morte duas vezes
(uma no começo da trama outro agora no final quando botou Zé Vitor para correr
e fez seu “mal” escorrer pelas veias) a momentos de grande graça quando, como
uma mocinha romântica, amarelou diante do altar onde seu noivo Josafá a
esperava. E que parceria desses dois! Lembrando O amor nos tempos do cólera (ela
mesma atuou na adaptação do romance de Gabo para o cinema) ou O Casarão, esses
especiais amantes, mais de alma que de corpo, esperaram décadas para enfim
viverem seu amor/cumplicidade/amizade especial. Ele, aquele homem cheio de
dignidade e valores morais, se rende à sua amada que não consegue controlar de
jeito nenhum, respeitando, mesmo cheio de medos, sua missão guiada por “Eles”.
E
Dona Caetana, a decana do time, nossa Laura Cardoso, brilhando como a
experiente cafetina entre os paetês, neons e segredos da Love Chic, acho que
será um dos seus grandes momentos na TV pela desenvoltura e humor que deu o tom
à grande Dama da Noite. Uma espécie de Fada Madrinha controversa para as primas do Bordel que vivem seus sonhos de Gata Borralheira, mostrando que nem sempre "fazer a vida" é uma escolha. Mas Ana Lúcia Torre, também roubou os holofotes como
Dona Adneia, no seu microcosmo familiar, dentro do seu AP de onde saiu poucas
vezes, refletiu tão bem as agruras de uma mãe entre o modelo ideal de família
que ela acreditava ser o melhor para seu filho até aceitar a família que
o faria feliz de fato. Dentro do seu AP tivemos as cenas mais engraçadas da
novela, capitaneadas por ela e na sua crença na cura gay. Sua cena essa semana
de aceitação do amor entre Samuca e Cido foi muito emocionante, após muito
relutar (a apneia não colou) ela os abraça formando a família possível, amor de
mãe em estado bruto. E seu monólogo posterior foi golpe de mestre do autor, ela
sozinha rearrumando o novo lar, ajeitando as almofadas, recolhendo os farelos
do bolo e se reinventando para aceitar que a felicidade do seu Tigrão é
com Cido (Zulu também surpreendeu) e chegando a constatação óbvia que não há
cura porque não há doença. Sua voz foi uma espécie de voz da consciência social
para a aceitação e conciliação.
Voltando
ao núcleo central da novela, a vingança de Clara, ela enfim chega ao final da
novela concluindo seu plano, só falta Sofia. Já um pouco vingada pela vida e
tendo que ser cuidada por Stela, a filha que sempre rejeitou. Na cadeira de
rodas ela ficou da mesma altura da “aberração” e teve que olhá-la de frente. O papel de Stela também é digno de nota, suas aulas de alfabetização para adultos iluminaram sua atuação. Durante sua recuperação tem que conviver com o que sempre quis esconder, houve
alguma comoção na cena em que sua filha massageava seu rosto, mas ela é má por
excelência e não há redenção para a vilã serial killer.
Diferentemente de Gael que vem conseguindo a regeneração porque era dual.
Depois de marido agressor punido pela Lei Maria da Penha, volta a ocupar os
pensamentos da mocinha nada romântica. Como bom folhetim, ficou para o final a
famosa pergunta Com quem ela vai ficar? Acreditamos que com Patrick, aquele
amor cavalheiresco que mudou toda a sua vida para servir Sua Senhora, mesmo sem
muitas garantias do final feliz.
Vale
ainda lembrar que um dos temas mais fortes da novela foi a questão materna,
como já disse em texto anterior. Foram muitos os modelos de relações de mães e
filhos explorados na novela. Do abuso sexual pelo padrasto, da Grande Mãe do
Quilombo, da mãe Naja que quer manipular a vida dos filhos e se redime pelo
amor ao neto, da mãe que rejeita, da mãe-coragem que doa um rim, da madrasta
que renega a enteada, da mãe adotiva Lívia que na hora do sequestro, dor
extrema, une-se a Clara e chamam Tomaz de nosso filho, aceitando que
ele tem duas mães.
A
novela em alguns momentos se perdeu um pouco se arrastando no meio do caminho,
mas do meio para o fim recuperou o fôlego e nos fez ficar com vontade de assistir
no dia seguinte. Aliás, ela passou a adotar o modelo do resumo do capítulo
anterior e chama para o novo dia no inicio de cada episódio, ops, capítulo,
imprimindo o ritmo de série à trama, pois essa filha do folhetim, que já foi
radionovela, fotonovela, vai se transformando com os anos e se adaptando aos
novos tempos onde enfrenta a concorrência de tantas outras telas, mas continua
a nos convidar a sentar e assistir, torcendo pela justiça no final, onde o Bem
sobrepuja o Mal, pois tudo que você faz um dia volta pra você, ao menos na
ficção a Lei do Retorno é certa, com raras exceções...