O
último capítulo de Órfãos da Terra foi construído através de uma beleza ímpar,
todos os desfechos de todas as personagens e núcleos convergiram para um ideal
de amor fraterno, de Amor grafado com letra maiúscula. As autoras, Thelma
Guedes e Duca Rachid (Sherazades admiráveis) foram muito felizes na escolha de
um tema tão contemporâneo e atemporal ao mesmo tempo. A história da humanidade é feita de êxodos, de
travessias, umas por escolhas, mas a maioria pela força bruta da guerra, da
miséria e da escravidão.
O
tema central da novela das 18:00h, que poderia ser das 21:00h pela sua
densidade e atuações de excelência (Paulo Betti, Eliane Giardini, Ana Cecília
Costa e cia, além do núcleo jovem e sua liga da justiça), pareceu saltar das
telas do noticiário para dentro da ficção e vice-versa, como narrativa clássica
tivemos vilões malvados e impiedosos, o Sheik Aziz e sua filha Dalila e mais seu exécrito do mal, em meio a tantas histórias familiares de luta pela sobrevivência e
união. Creio que no meio tivemos a famosa barriga, com sequências arrastadas,
como os muitos planos malvados de Dalila, mas nada que tirasse
a beleza da história.
Um dos pontos altos da trama foi a convivência
entre os árabes e judeus através das famílias de Seu Boris e Seu Mamede,
brilhantemente representados por Osmar Prado e Flávio Migliaccio com muitos risos e lágrimas. Na reta
final, a questão do Alzheimer de Seu Mamede foi tratada com muita sensibilidade
e ele e seu dantes inimigo judeu nos presentearam com cenas lindas de amizade e
cuidado, coroada com a cena do nascimento dos gêmeos no último capítulo.
Migliaccio brilhou entre o drama e a comédia, tirando partido da sua condição
de idoso aparentemente frágil para dar mais força ainda a sua interpretação comovente.
O banquete dos mendigos foi uma cena magistral.
O
último capítulo reservou generosamente para cada personagem, para cada casal e
para cada núcleo, um final especial pautado na ideia de congraçamento. Com
muitos casamentos, amores diversos que redimem o mal e bebês à mão cheia, tivemos o trunfo da felicidade tradicional do último capítulo. A cena da
preparação do corpo de Dalila também foi muito tocante e até ela teve sua
redenção ao experimentar o amor materno por sua Soraia, deu prova desse amor ao
deixar a pequena para sua avó criar em um lar de verdade.
O
desfile de Martin foi rico em metáforas da vida dos refugiados com os despojos
pelo caminho (muitos sapatos perdidos nas estradas, muita poeira pelo caminho),
na passarela a vida e a beleza pulsando apesar de tantas perdas. A sede da Ong
dirigida com afinco pelo Padre Zoran foi mesmo o palco para tantas vidas que
por ali passaram e nada melhor que a música para reger a união entre os povos, a
música de abertura é um hino ao tema, vale ressaltar o trabalho dos voluntários
nesse projeto, outro símbolo de fraternidade.
A
última cena em close para o discurso de Laila, discurso belíssimo que atou
todas as personagens da trama nos lembrando de que todos somos em alguma medida
também estrangeiros (excelente menção aos nordestinos em São Paulo e aos
afrodescendentes) e evocou a vocação do Brasil para a diversidade cultural e
tradição em receber todos os povos. Além da força desse discurso, a presença da
metalinguagem foi um bônus, ao desligar a câmara, a história continua e Laila e
Jamil retornam ao lugar do começo em São Paulo, onde a palavra fim nos
aguardava em todas as línguas, sem fronteiras... E por falar em histórias que
não acabam, Éramos seis nos espera de novo...