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segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Nos tempos do Imperador, uma dupla saudação! Ave, Pedro! Ave, Ficção!

 

A novela Nos tempos do Imperador de Alessandro Marson e Thereza Falcão é saudada com alegria pelos telespectadores ávidos por uma nova história na nossa televisão. Vale lembrar que desde 2020, com a suspensão das gravações pela pandemia, é a primeira trama completamente inédita, uma vez que Amor de Mãe e Salve-se quem puder retornaram para serem concluídas.

Nós, os noveleiros, não estamos felizes só por uma novidade no ar, só por mais um “Era uma vez” tão esperado, o que já nos contentaria, mas por se tratar de uma trama histórica que retrata um período importantíssimo do nosso país. Nos tempos do Imperador vem somar pontos na nossa tradição de produzir novelas de época de alta qualidade e que marcam nossa teledramaturgia como Escrava Isaura, Direito de Amar, Sinhá Moça, Força de um desejo e Lado a Lado dentre tantas outras.

Como uma espécie de parte II de Novo Mundo, os autores voltam para continuar a sucessão de Dom Pedro I na figura de seu filho Dom Pedro II. Com os pés fincados no real, a novela, obviamente, não se furta do seu papel folhetinesco e de seu compromisso único com a ficção, mas nos oferece uma boa dose de História. Misturando as esferas propostas por Aristóteles (Res Factae e Res Fictae), a narrativa tem tudo para acertar em cheio ao dosar bem esses dois universos.  Se for História demais, tenderá ao documentário, se for ficção demais, trairá o tempo citado no título.

Por falar em título, fica claro que se trata de uma novela de personagem, boa parte circula em torno de Pedro II, vivido pelo grande ator Selton Mello. Todas as outras linhas, de alguma forma, convergem para ele. Sua centralidade é bastante simbólica e construída com os pinceis da ficção que ampliam e retocam sua figura pública já conhecida. Ele é o homem ilustrado que lê Goethe, cita Dante e tem Victor Hugo como seu autor preferido, citações nada ingênuas e que dão a argamassa de seus pensamentos. Ele é o cientista, o colecionador, o fotógrafo, o monarca que aceita ideias diferentes, como consentir que um professor republicano dê aulas para suas filhas, mas não consegue frear tantos problemas. Características que compõem esse homem que não pôde escolher seu destino e há de decidir sobre o destino de um povo.

O que tem me chamado mais atenção até o momento é justamente os dramas íntimos do Imperador e de seus pares, ou seja, o homem e a mulher por baixo da coroa e do cetro, com todas as suas fragilidades, angústias e dúvidas. Sabatella é sempre excelente em portar o elemento trágico em suas atuações. A essa altura, ela já mostrou saber da ameaça que entrou em seu palácio, a Condessa de Barral. Ao que tudo indica Ximenes também protagonizará a trama com suas atitudes de vanguarda e por ser a outra vértice do famoso triângulo amoroso, se é que se pode falar de amor nos casamentos reais. Os olhares desse trio se mostraram eloquentes nessa primeira semana, dizendo muito do que virá.

Para além do Paço, temos uma cidade que pulsa com todas as suas camadas. Golpe de mestre dos autores trazer à luz a Pequena África com tudo que ela representa num país escravocrata, uma espécie de espaço utópico, um pequeno território onde os negros exerciam sua “cidadania” e que é desconhecido da maioria. Ao ser apresentada para Jorge/ Samuel pelo outro rei da trama, o rei negro, ele achou estar no céu. Não sem muita luta e sangue, meu caro jovem, a exemplo dos malês que ele acompanhou.

 E chegamos em Jorge/ Samuel, um outro protagonista, uma espécie de espelhamento do mundo de cima, que viverá as agruras de um amor proibido por sua Pilar, a jovem que quer mudar sua sina ao fugir de um casamento arranjado por seu pai. A menina tem força de heroína, filha do coronel vivido por José Dummont (muito bom vê-lo nessa condição social), metonímia de todo conservadorismo e interesses escusos (Moça só sai de casa ou casada ou morta!). Temos que destacar o núcleo dos coronéis baianos, liderados por Tonico Rocha (Olha o Imperador em outro Império! Dá-lhe Nero! E ainda levou Josué para o Paraguai!), um típico representante das elites do XIX, parece ter saído da lavra machadiana. Ele daria um ótimo primo de Brás Cubas. São muitas personagens e muitos brasis ainda a serem mostrados.

No bom estilo histórias cruzadas, todos esses brasis se misturam em busca de uma ideia de nação que ainda tateia sob as luzes difusas dos lampiões e das chamas das  fazendas do Recôncavo e não sabe o que fazer com tantos problemas internos e externos. E não podemos esquecer daquela herança maldita do tempo de Pedro I, ou de Novo Mundo, Licurgo e Germana, tão grotescos que nos chocam. Alegorias de um espírito atrasado e zombeteiro, espíritos de porco indomáveis. duas outras alminhas fantasmagóricas a nos assombrar, como aquela de Viva o povo brasileiro.

Estou confiante que teremos boas surpresas embaladas por uma trilha sonora sensacional, cenários, figurinos e fotografias de encher os olhos...E antes que venham as réplicas...Nunca foi fácil falar sobre o Brasil e sobre nosso passado tão incômodo e ainda tão presente nos nossos dias...

sábado, 10 de abril de 2021

Amor de MÃE: A ficção atravessada pela inverossimilhança da vida

 

A novela Amor de Mãe, que ontem se findou, será marcada pelo atravessamento surreal da pandemia em nossas vidas e seus desdobramentos na ficção. Iniciada no final de novembro de 2019, foi interrompida em março de 2020, retomada um ano depois para ser concluída da forma mais breve possível em razão das circunstâncias impostas para sua gravação e que consagra Manuela Dias, sua jovem autora, no time de ouro das nossas novelistas na esteira de Janete Clair, Glória Perez e cia.

             A novela é uma obra aberta e vai sendo feita ao sabor de diversas variáveis. Os autores sabem como começam seus primeiros capítulos, mas só têm uma vaga ideia de como terminará. Nessas variáveis entram, por exemplo, a aceitação do público que faz uma subtrama crescer ou minguar, uma personagem secundária se destacar ou as próprias intempéries da vida, como a doença ou morte de um ator, mudar o rumo, mas com a variável pandemia, ninguém, nem na arte, nem na vida, podia prever. E foi esse o desafio que se apresentou e que atravessou a novela das 21h, das 9h que já foi das 8h, a mais vista e desejada da nossa TV. E aguardamos um ano para ter o desfecho do mote principal, o reencontro de Lurdes com Domênico, seu filho vendido aos dois anos de idade. Fato central que fazia com que as outras duas protagonistas, Telma e Vitória, orbitassem ao seu redor até que suas histórias se cruzassem.

A grande cena do encontro de Lurdes com Domênico/Danilo já nasceu antológica, certamente entrará para a galeria da nossa teledramaturgia como uma das mais belas e emocionantes. O momento tão esperado foi marcado por diversos símbolos potentes, desde o altar possível construído por Lurdes para continuar rezando por seus filhos, à revelação da Graça da saída do cativeiro pela Pomba, formando uma trindade nova Mãe, Filho e Espirito Santo.

O encontro na estrada merece nossa atenção especial, a mãe que buscou o filho por 27 anos é que foi encontrada por ele. Sem saber quem estava procurando, o filho achou aquela que já estava velando por ele. A estrada empoeirada, semelhante ao espaço onde toda a busca começou, volta à cena, acrescida de trilhos abandonados, uma metáfora do curso de uma vida que foi interrompido e, no momento magistral do abraço e do reconhecimento através do cheiro na cabeça do filho, a mesma estrada deu ré para recuperar o tempo do amor perdido. Além dos símbolos, a interpretação dos atores foi visceral, Lurdes/Regina Casé tornou-se, nesse momento de desalento que vivemos, uma espécie de mãe arquetípica de todos nós (“Sua mãe está aqui” seu brado retumbante). Já Domênico/Chay Sued honrou toda a espera e a angustiada sequência da procura com a maestria de um grande ator que fala através dos olhares, dos silêncios, dos soluços e do texto forte (Onde estava Deus?) que brotava de sua voz rouca, típica das emoções que nos atravessam a alma. E a música Onde estará o meu amor?,  de Chico Cezar cantada por Maria Bethânia, coroou o momento ( A noite findou e o sol rebrilhou sobre eles).

Daí em diante a alegria dos reencontros com os filhos/irmãos, naquela grande família cheia de problemas, mas unida nas horas boas e ruins. Ao chegar no quintal da casa de sua nova mãe, o filho reencontrado e tentando matar Telma dentro dele, pergunta para Lurdes sobre o ninho do passarinho, outra imagem do aconchego que teria naquela casa e sobre o que fazer com aquele sentimento que lhe esmagava o peito. Dentre uma das falas de Lurdes nesse reencontro ela disse: “O tempo é rei, o tempo cura tudo, não existe família perfeita, existe família unida”. Aliás, as frases sábias de Lurdes mereciam um compêndio, filosofia condensada dessa mãe tão brasileira que nos faz rir e chorar!

Ainda vale destacar outras simbologias interessantes nessa retomada da trama. A psicopatia revelada em Telma foi acompanhada das imagens internas de sua casa, corredores, portas, gavetas, pastas, papeis guardados, que aludem aos seus labirintos internos. Adriana Esteves brilha em qualquer personagem na comédia ou no drama ela reina soberana.

 A morte de Álvaro, o gigante Irandhir Santos, de tão boa atuação que a gente ainda sente empatia por ele, como ele mesmo disse "sem arqui-inimigo não tem herói", também foi rica em imagens. Se arrastou até a cadeira da presidência, marca de sua ambição, e morreu porque foi buscar mais dinheiro que como já fora dito era o móvel de sua vida, poço de seus vícios e no amor por Verena sua única virtude. Ele era a marca da corrupção predadora na trama. Sua construção nos remete à máfia italiana com seus ternos elegantes e gostos refinados, inclusive sua trilha sonora é a ópera Mio Babbino Caro de Puccini. Através dele, tivemos Davi, o quixotesco ativista ambiental, que teve um belo fim, discursando na ONU, gotas de esperança que a ficção nos dá.

Pela própria economia narrativa e penso que pela necessidade de tratar de diversos temas em pouco tempo, houve algumas passagens que julgo desnecessárias, mal resolvidas ou que traíram a verossimilhança buscada.  A luta corporal e o discurso de Vitória com o agressor da esposa no meio do mato, a morte de Lucas, a saída dos pacientes da UTI em aparência tão saudável, a inserção da mãe biológica de Tiago, mas paro aqui, porque os acertos foram bem maiores e não abalaram em nada o brilho do final.

Sem esquecer de personagens que cresceram muito e se modificaram durante a trama como Penha e Leilinha Pé na cova Gratiluz que foram se destacando até formar o casal de contraventoras simpáticas que acabamos perdoando ou Lídia, que encontrou no verdadeiro amor por um homem simples, uma razão para recomeçar sem perder o charme o esnobismo dos herdeiros. Aliás, Magno merecia a menção honrosa Amor de Pai, de filho e de irmão. Sandro, outro exemplo de força interpretativa e caráter ambíguo, oscilando entre seus dois mundos, opta pelo segundo, sem deixar para trás os amigos antigos.

O final... As três protagonistas juntas no leito de morte de Telma, discutindo suas culpas e seus perdões e a consciência da mão do destino que age impiedosamente sobre nós surgiu em diversos diálogos (se Domênico não fosse vendido, não existiria Camila, se Sandro não fosse o primeiro a ser vendido... E  aí por diante na estrada sinuosa da vida). E o perdão de Danilo que foi ministrar a extrema-unção, o perdão para que Telma pudesse partir. Como em sua fala que bom seria se as mães não errassem nunca e fossem perfeitas, mas como isso não é possível, ficamos com Lurdes marcando os copos com esmalte para seus filhos e todos juntos se sacaneando com todo respeito, como ocorre nos encontros das famílias imperfeitas e que se amam...


Teria muito mais a dizer tão grande era o meu desejo de voltar às Entretelas em um ano que só tivemos reprises em meio à barbárie lá fora. Não posso terminar sem falar do discurso esperançoso de Camila, Jéssica Ellen excelente em seu carrossel de emoções e provas, se Lurdes é nossa Mãe arquetípica, ela é a nossa Professora arquetípica. A que luta todos os dias por uma educação melhor e crê no seu poder de transformação mesmo em contextos tão adversos... Sim! A ficção também pode nos ensinar muita coisa e nos salvar por alguns momentos da brutalidade do cotidiano... Pena que foi tão rápido, mas o suficiente para ser inesquecível. E, assim como na novela, terminemos com Guimarães Rosa, pela boca do nosso Riobaldo, porque a vida é travessia e exige da gente coragem:

O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito – por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia.

 

Sigamos segunda-feira com Império. Na falta do novo, redescobriremos a magia do já visto...

 

 

 

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Amor e sorte, primeiro episódio: Outro “doce” de mãe!

 

                                                                         Para minha amiga Zélia Martins

 

Umas das palavras de ordem, já gastas pelos seis meses de uso que vem perdurando a pandemia, e que nos condenou, dentre outros sofrimentos, ao isolamento social, é o verbo Reiventar.  Mudanças de hábitos, de regime de trabalho, de consumo, de lazer e de formas de se produzir novos produtos culturais enquanto vemos gráficos e reportagens que nos deixam tensos todos os dias e noites. Assim, a teledramaturgia, pão poético diário da maioria dos brasileiros, também precisou pensar em outras formas para continuar levando os fios da ficção para nossas casas.  

Juntando todos esses elementos, uma forma de contornar essa sombra foi a genial ideia de Jorge Furtado de fazer uma série sobre confinados reais e seus sabores e dissabores, com tramas muito semelhantes ao que muita gente está experimentando. Famílias reais de atores fizeram de suas casas palco para essa novidade deliciosa que nos traz um sopro de alegria, mostrando que a arte é uma danada e que dá seu jeito sempre que possível.

Assim, fomos presenteados ontem, com um episódio belíssimo que retrata as agruras da convivência forçada entre mãe e filha, com naturezas e pontos de vista completamente diferentes sobre a vida, “esquerda carnívora” e “liberalzinha vegetariana”, segundo elas mesmas em meio a uma discussão acalorada sobre matar um frango e demitir funcionários. Briga que nos rendeu uma das aventuras mais cômicas do episódio, a captura da penosa que não se entregou facilmente ao abate, teimosa assim como as duas protagonistas.

É sabido que todas as famílias têm conflitos, mas espera-se de uma mãe de 90 anos e uma única filha de meia idade, executiva bem sucedida, uma relação pacífica ou ao menos cordial, ledo engano. Gilda e Lúcia são boas representantes da bipolarização do nosso país que ficou nas entrelinhas desse programa de estreia. Como também da condição dos nossos aposentados que não podem pagar um plano de saúde e outras despesas e precisam que sua renda seja completada pelos filhos. Questões nem sempre simples ou que também resultam em papéis invertidos, quando a aposentadoria dos velhos é a fonte de sustento. No plano da frente, uma deliciosa comédia familiar, no plano do fundo, um painel do país.

Um dos topos mais presentes na Literatura Ocidental, para utilizar a terminologia de Ernest Curtius no seu clássico Literatura europeia e idade média latina, é o da velhice tranquila e sábia, tema já presente em Sêneca e Cicero, sábios da antiguidade. Dona Gilda contraria toda essa representação. Ativa, impulsiva, hedonista, ranzinza, boemia, dentre outras qualidades ou defeitos a depender da medida, deu muito trabalho para sua filha Lúcia, disciplinada, focada, responsável, séria, saudável (com a ajuda de um ansioliticozinho, é claro), também qualidades ou defeitos a depender da medida. E a convivência das duas isoladas em um sítio onde, de fato, Fernandona e Fernandinha, cada vez mais parecida com a mãe, estavam ilhadas com a família, não foi nada fácil.

Mas, de volta à convivência, vem de volta o amor que as unia, as lembranças, as fotos, os risos, as estrelas, a boa mesa com o frango assado e uma boa taça de vinho (pode ser em copo de requeijão também, o que vale mesmo é a companhia), elementos que aproximam quem se quer bem e aparam arestas das diferenças. E elas já não queriam que aqueles dias acabassem, era preciso prolongar o prazer e a presença de ambas. Gilda toma suas providências cortando, literalmente, a conexão com  o mundo lá fora, outra cena incrível e muito simbólica. E como uma boa obra de arte pode ser vivificante como aquela taça de vinho, ela nos brindou com a esperança da notícia que todos esperam em todos os lares, a vacina chegará, e a receberemos de braços e abraços abertos, mas sem esquecer daqueles que se foram, porque assim é a vida, agridoce como as relações humanas em qualquer tempo... Que venham os casais nessa nova Comédia da Vida Privada... Amor é Sorte!

quinta-feira, 21 de maio de 2020

This is us: Sim, esses somos nós também



Para Denison Monteiro que me indicou e para minhas sobrinhas Maria Victória e Renata que também  se apaixonaram  por essa história




A série This is us, em exibição na Amazon prime, tem todos os ingredientes de uma boa história. História daquelas que te prendem do começo ao fim e deixam ao final de cada episódio o desejo incontrolável de continuar acompanhando a trama. As boas narrativas não são boas só pelo que nos contam, mas, sobretudo, como elas nos contam. O famoso casamento feliz entre forma e conteúdo que nem todos os livros ou filmes alcançam. E essa comunhão entre forma e conteúdo é alcançada com maestria por essa belíssima série dirigida por Dan Fogelman que acompanha o cotidiano de uma família americana por 04 décadas mostrando como o passado interfere no presente. Aí está um dos seus pontos mais altos, a narração simultânea dos dois tempos.
As histórias das famílias com todos os seus momentos de drama e comédia é um pouco a história de todos nós. Umas famílias pendendo mais para a dor outras para o riso, equilibrando o amargo do limão e o doce da limonada como ensina Dr. K.  É claro que todas elas têm boas histórias para contar, segredos a esconder, fatos para lembrar e outros tantos para esquecer nas gavetas, nas cartas, nos retratos esquecidos. Assim são os Pearson, uma família de Pittsburgh, formada pelo casal Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore) e pelos trigêmeos Kevin (Justin Hartley), Kate (Chrissy Metze), Randall ( Sterling k. Brown).
O fato desencadeador da trama é o nascimento dos trigêmeos. Nesse dia um dos bebês morre (Kily) e nesse mesmo instante um recém-nascido é abandonado no Corpo de Bombeiros e levado ao hospital. Tal acaso, ou não, determinará a formação daquela família que adota o bebê em substituição ao que morreu (temos vários acasos na série que mudam radicalmente os destinos das personagens). Assim temos os trigêmeos iguais e diferentes, aceitos e rejeitados, some-se o detalhe que será um dos motores da história, que o menino adotado é negro.
É notável o esforço dos pais para criá-los com igual amor e oportunidades e o esforço hercúleo para dar tratamento individualizado a cada um deles, atentos para intervir ao menor problema. O casal Jack e Bec, vivem uma das mais belas histórias de amor que já vi, ambos vem de lares problemáticos e desejam dar aos filhos uma infância perfeita e parecem chegar bem perto disto, não fossem os pontos de vista e percepção de cada um dos filhos sobre os mesmos fatos vivenciados. E chega uma hora em que cada personalidade começa a se mostrar e exigir suas diferenças, como na festa de dez anos deles quando as crianças pedem festas individuais com os temas da sua escolha. E na adolescência então, as diferenças e os conflitos afloram. Teremos o estudioso/inseguro Randall, o galã/fútil Kevin e a carente Kate, sofrendo com a sua luta constante contra a obesidade.
No presente, temos um Randall casado com Beth, outra bela história de amor, pai de duas filhas, um executivo bem sucedido morando numa bela casa, só ele ficou em Pittsburgh. Kevin, um ator frustrado de um seriado de TV em busca de um lugar ao sol no cinema e Katy, como empresária/babá do irmão e lutando com seus fantasmas, mas que encontrará seu grande amor nos braços e nos sorrisos do incrível Toby, outra grande figura. Sabemos que o pai já faleceu há anos, mas só saberemos bem depois como foi a sua morte, não darei spoiler, vale ver  a cena.
Outro fato marcante da trama é a busca de Randall por seu pai biológico e ele o encontra para nossa felicidade.  William será uma das melhores personagens de toda a série. Aquele senhor, poeta, músico, maltrapilho, ex-viciado, em estado terminal, tem tanto a nos ensinar que nos surpreende em cada fala e gesto e você vai se apaixonar por ele também, assim como por seu filho e toda a sua família. Aliás, outro ponto alto da trama é a chance que foi dada para que cada personagem, principal ou secundária, se desenvolva plenamente e tenha seus próprios conflitos a elaborar diante de nossos olhos, tais como Tio Nick, Doutor K, Shauna, Malic e tantos outros.
Não seria capaz de elencar  quais cenas gosto mais, de tantas que chorei muito e de outras que ri demais...Há cenas de rara beleza como naquela em que Kevin larga o seu lançamento para socorrer o irmão em uma crise de pânico, quando Kevin vai ao Vietnã em busca da memória do pai e quando larga tudo para resgatar seu Tio Nick, o Alzheimer de Rebecca, as festas do Dia de Ação de Graças, os telefonemas a três, o casamento e formatura de Kate,  adoção de Deja, outra personagem de muita força.  Kevin que era considerado o mais frívolo dos três vai amadurecendo  e se transformando durante as décadas.
 Os Pearson e todos aqueles que têm a sorte de viver com eles  vão reelaborando seu passado para enfrentar o presente em meio a tantos temas importantes como racismo, música, cinema, guerra, sonhos, adoção, deficiências, drogas, alcoolismo, orientação sexual, amizade e fraternidade e muito, muito amor, pois essa família é  intensa e quente como são as grandes histórias de amor. Esses são eles, esses podemos ser nós também...This is us entra na lista de melhores narrativas da minha vida...E por falar em boas histórias de afetos já viram Modern Love?


sábado, 4 de abril de 2020

Anne com E: Amor aos livros e à vida


                                                            Para Fabíola Vilas Boas e seu amor à leitura

Há um ditado africano que diz que é preciso toda uma aldeia para educar uma criança. Na série Anne com E, a protagonista inverte essa lição ancestral, ela é uma criança que educa toda uma aldeia. Anne with an E é uma série de televisão canadense baseada no livro de 1908, Anne de Green Gables, de Lucy Maud Montgomery e adaptada pela escritora e produtora vencedora do Emmy, Moira Walley-Beckett, que agora é exibida pela Netflix com grande sucesso de público.
Eu, ainda resistente ao tempo das séries, dediquei algumas ávidas horas para assistir a essa genial história da menina ruiva e sardenta que se ainda não roubou, roubará seu coração. O drama das órfãs é um tema comum na literatura e no cinema quem não se lembra de Poliana, de Heide ou de outra Annie, filme  de sucesso  nos anos 80? Despertando sempre nossa compaixão, o sofrimento delas é mitigado por doses de fofura e sabedoria, sabedoria que vai transformando a todos à sua volta.
Com nossa Anne Shirley não é diferente, mas então o que ela tem de tão especial? A história muito bem construída em três temporadas (até então, tomara venham outras) aproxima-se dos romances de formação, cobre um período da vida de Anne que vai do final da infância, inicio da adolescência e começo da vida adulta. Além disso, mistura muitos gêneros narrativos tais como aventura, romance, suspense e filme de época ao contar as várias fases de Anne, eixo absolutamente central da trama. Infância sofrida entre um orfanato sombrio e passagens por algumas famílias que exploravam seus serviços sem piedade. Começo da adolescência já com sua nova família, onde enfim depois de muitas provas tem um lar e um nome ao lado de dois velhos irmãos taciturnos que vão se colorindo com a sua radiante presença e o nascer de uma jovem adulta, universitária e amada por seu cavalheiro Gilbert (com ares de Huckleberry Finn).
O aprendizado doloroso da infância talvez seja um dos pontos altos da série e que dá notas de drama a algumas partes da narrativa. Narrado em flashbacks, ficamos sabendo de todo sofrimento da menina até os 12 anos, entre rejeições múltiplas no orfanato e maus-tratos nas famílias “adotivas”. O único aspecto luminoso dessa fase são os livros que lê. Como uma náufraga ela se agarra às histórias e passa a habitá-las e nutre um sentimento afetivo pelas palavras. Tal prática leitora será o diferencial de toda sua vida posterior. Muito além de uma leitura meramente decodificadora (alfabetização), ela alcança aquilo que chamamos de letramento, ao dar significado a tudo que lê (ter lido um manual de incêndio faz com que ela salve uma família das chamas) e, o mais importante, traz a fantasia para dar brilho para sua vida sofrida, preenche os espaços da falta com a magia da imaginação.
Outro ponto alto da trama é o desenvolvimento das personagens, todas têm espaço na série. Do seu núcleo familiar formado pelos irmãos solteirões e reservados, à vizinha bisbilhoteira, aos vizinhos ricos, todos carregam complexidade e ambiguidade. Todavia é na escola que o palco da galeria humana melhor se apresenta, ali todos os tipos sociais sentam naquelas cadeiras, como numa espécie de microcosmo da sociedade. Há um desfile de meninos e meninas com todas as nuances possíveis de comportamento que vai do abjeto ao sublime. Além dos dois professores que passam pela classe. Um puro vício,  outra pura virtude. Um que estagna e persegue,  outra que educa e transforma.
Não podemos deixar de mencionar os aspectos sociais presentes na trama que se passa no interior do Canadá no século XIX. Destaquemos aí o preconceito racial na figura de Bash (personagem gigante), o sócio de Gilbert, a colonização dos índios muito bem representada pelo drama da escolarização da pequena indígena e do sofrimento de sua família. Além de muitos outros temas que povoam a tela como a homoafetividade de Tia Josephine e do jovem Cole, almas que se encontram através da amizade de Anne. A ambição que faz com todos fiquem cegos pelo ouro de tolo e mais uma vez salvos pelas astúcias de nossa menina que não aprendeu só com os livros, mas muito também com as experiências da vida, absorvendo cada lição.
Além disso, a série nos reserva cenas belas e fortes como a da amizade de Anne e Diana (o chá delas é um espetáculo), a despedida da esposa de Bash, a descoberta das origens de Anne, o amor de Mathew, as festas na casa de Josephine, as mudanças na vida dos alunos, o jornal da escola, as reuniões das senhoras dentre tantas outras passagens que merecem nossa atenção.
Segundo Anne, com E, e a repetição do seu nome é uma forma de afirmar sua identidade sempre em perigo, “Grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”, vou parando por aqui porque acho que não há palavras para descrever essa série incontornável, antes de tudo uma história de amor aos livros, uma história de amor à vida...Uma bela pedida para esses tempos de quarentena...




sexta-feira, 27 de março de 2020

Éramos Seis: Um sopro novo na casa da Avenida Angélica

                                                                        Para Aleilton Fonseca e seu amor à boa ficção...

O romance Éramos Seis, de Maria José Dupré, entra para a história da literatura e teledramaturgia brasileira (incluindo uma radionovela) como o livro que sofreu mais adaptações para a televisão. A vida de Dona Lola e sua família foi novamente reescrita para essa nova versão que hoje se findou poeticamente no horário das 18:00h. O romance publicado pela primeira  vez em 1942 conta a história de uma família e sua casa na capital paulista durante 28 anos, entre 1914 e 1942, período compreendido entre as duas Grandes Guerras e suas mudanças sociais vertiginosas. Meu primeiro contato com o livro foi através de sua publicação pela Série Vaga-Lume nos anos 80. Hoje acho que foi uma erro sua inclusão nessa coleção, pois não se trata de um livro juvenil, mas que bom que muitos jovens o leram...
No romance vale destacar o protagonismo da casa, que ganha estatuto de personagem, elemento ressaltado na abertura da novela. Durante anos a família de Júlio e Lola luta para quitar aquela casa, sonho alimentado por anos e objeto de muita discussão e desavença entre o casal. Sacrifícios imensos foram feitos para o pagamento da mesma, só concretizado após a morte do pai e de Carlos, o sangue desse foi parte do pagamento final.
O remake atual, escrito por Ângela Chaves, trouxe muitas novidades para os habitantes da casa da Avenida Angélica, para seus vizinhos, agregados e todos os núcleos da trama. A autora ampliou vários núcleos, costurou temas novos como feminismo, racismo, arte-terapia e desenvolveu com densidade personagens que apenas foram citados no livro ou criou mais figuras e histórias paralelas que enriqueceram a narrativa. A exemplo de Zeca,  marido de Olga, que é construído de leve no livro e foi ampliando de forma incrível na tela com o talento de Eduardo Sterblitch e sua amada, a excelente Maria Eduarda de Carvalho, rendendo belas cenas de humor e amor em Piratininga. Aliás o sítio cresceu bastante nessa versão com  as peraltices das crianças,  a passagem de Justina e as graças de Tia Candoca (maravilhosa Camila Amado) que ganhou ao final dois prêmios: um namorado  e um batom vermelho.
Creio que o mais interessante nessa versão foi a possibilidade de reescrever outros finais, inclusive com a presença de três Lolas em cena (Glória Pires, Irene Ravache e Nicete Bruno) levando em consideração a potência do nosso tempo. O final feliz de Lola ao lado de Afonso foi tecido com as tintas da delicadeza de um amor maduro que teve a paciência da espera e da compreensão como ingredientes, simbolizada pela Carta de São Paulo aos Corintos na cerimônia do casamento.  Foi bonito ver os dois juntos, pensando por um momento na felicidade deles antes das dos filhos. Outro final reescrito com belas tintas foi o de Clotilde, tão sofrida no romance, teve sua felicidade reescrita ao lado do Sr. Almeida.. Além do sucesso de Durvalina como Cantora do Rádio e o encontro com seu filho.
A novela ainda foi muito feliz em trazer para trama novos olhares para as discussões políticas e sociais que permearam a novela através de vários fatos históricos que atravessam a vida dos personagens. Tivemos nessa última semana a prisão de Lúcio (Jhona Burjack, revelação de jovem ator num papel de muita dignidade) numa manifestação que homenageava Rosa de Luxemburgo, tal cena foi motivo para trazer à tona termos como Liberdade de Expressão, Comunismo, Fascismo, palavras que voltaram ao nosso palco, infelizmente em arenas  de bipolaridade feroz, dentre outros momentos que o texto sutilmente dialogava com o calor da hora de hoje.
O capítulo final foi de uma beleza ímpar, todos irmanados na Ceia de Natal na casa de Dona Lola, que novamente voltou às suas mãos. Em lugar da solidão do romance onde Éramos Seis e só restava ela e suas lembranças melancólicas, a novela nos brindou com um Éramos Muitos em torno da mesa, alimentando nossa esperança por dias melhores junto aos nossos afetos nos deliciando com as rabanadas douradas...



domingo, 1 de março de 2020

Por Amor de mãe: para além do maniqueísmo


                              

A novela Amor de mãe tem arrebatado um público ainda fiel ao gênero folhetinesco e alavancado a audiência do horário já não tão nobre assim, mas ainda muito respeitado pelos telespectadores. Com as mudanças ocasionadas pelas redes sociais, já não precisamos esperar o dia seguinte para nas rodas de conversa no trabalho, nas filas do supermercado ou no transporte público  ouvir o que se comenta sobre o capítulo do dia anterior. Agora em tempo real, através da chamada “segunda tela” ou da “social tv” já sabemos o termômetro do capítulo no calor da hora, sejam nos grupos de watts app, sejam nos memes que inundam as redes dentre outros mecanismos do nosso tempo “esquizosimultâneo”, no qual nunca fazemos uma coisa só.

Todavia, para além das formas de partilha da contemporaneidade, o que gostamos mesmo, desde tempos imemoriais, é de uma boa história, com personagens instigantes e cenas que nos emocionam e nesse quesito Amor de mãe tem se destacado positivamente. O sucesso de uma personagem, faz com que ela vire metonímia da novela, assim foi um dia com a novela de Catarina, a novela de Carminha, a novela de Félix e agora com a novela de Lurdes. Lurdes, uma espécie de mãe de todos nós, tem roubado todas as cenas da trama e transitado em praticamente todos os núcleos. A sua força é incrível. Seu texto, caracterização e gestual nos faz morrer de amor por ela, aliás a direção de arte da novela merece prêmio, creio que nunca uma casa de pobre foi tão bem detalhada como a de Lurdes (em eterna obra e feita de remendos com seus objetos que são a cara de um Brasil que muitos conhecem bem).

Voltando ao tema central da novela, o amor incondicional das mães, temos muitas nuances em cena. Há limites para esse amor que beira o maquiavelismo como o de Telma com seus segredos inconfessáveis? Lurdes para ser uma boa mãe para seus filhos deixou para traz a sua mãe, aceitamos? Abandonar um bebê por não poder criá-lo imaginando que terá melhor sorte como a mãe de Camila é compreensível?

Não devemos julgar moralmente a literatura, sim novela é literatura em outro suporte, nos cabe compreender que aquilo é plausível na trama (necessidade de verossimilhança) e a trama é muito bem costurada, aliás todos fios se cruzam na vida das três protagonistas e o tapete é tão bem tecido que dá espaço para todas as personagens secundárias também crescerem e figurarem no grande painel. Penha (que virada) é um grande exemplo disso, ela mesma essa semana em conversa com Magno disse que todos têm seus erros, sem falar do vilão ambíguo e carismático, Álvaro da Nóbrega, que manda matar, chora de amor e ouve ópera.

Nessa semana o epicentro das emoções ficou em torno da volta de Lurdes à Malaquitas para reencontrar sua mãe. Cenas com misto de riso e lágrimas nos brindaram com belas sequências que nos remetem ao estilo da direção de Luiz Fernando Carvalho e das tramas de Benedito Rui Barbosa. A escolha de Zezita Matos como mãe de Regina Casé foi muito feliz (Lurdes podia mesmo ter sido personagem de Velho Chico e irmã de Bento e Santo dos Anjos) e o abraço  das três, avó, mãe e filha foi um quadro de puro lirismo, assim como a morte da matriarca carregada de poesia.

 As três passeando por aqueles caminhos que deram inÍcio à trama, metáfora da origem, só podia dar em outro segredo, a mãe biológica de Camila, que brotou daquele cenário portando revelações que darão continuidade à história. Dona Maria Santos Silva, que outro nome podia ser, falou nessa sequência ao ar livre uma frase lapidar: O impossível acontece todos os dias... Justamente quando a mãe de Camila passava numa carroça, volta ao principio, mais mítico impossível...

Já que nos lembramos de Benedito Rui Barbosa, creio que Manuela Dias também prestou um tributo a Manoel Carlos, o segredo vive nas gavetas, nas cartas e nos diários... Danilo ao arrumar o quarto do seu futuro filho, esbarra com o mistério que rege sua vida e mudará o rumo da novela...para não dizer que não falei de Vitória, personagem que adoro, mãe leoa daquelas com três maternidades em processo, tenho uma queixa  a fazer, ela ficou pobre demais, demais mesmo, não tinha nem uma reservinha, só a casa linda e o closet de sex and city? Uma advogada daquelas ia cair nas mãos de Penha a 25%? Bem botamos na conta do desespero...

São muitas as faces dos amores de mãe, esse sentimento prismático, mas os amores de pai também tem de revelado em Magno,  em Raul, em Davi, em Seu Nuno e no grande Durval, só não conte a ele que não sabe guardar nada....Sigamos! Muitos outros segredos ainda virão à tona nessas  outras páginas da vida...