Além do
Tempo: Mural afresco do século XIX
Para Elvya Ribeiro
Para Elvya Ribeiro
A novela das 18:00 h,
Além do Tempo, de Elizabeth Jhin, revela-se como uma grata surpresa para
o público afeito ao gênero de época. Dentre tantos acertos da trama, temos em
destaque um sofisticado painel da sociedade brasileira do final do século XIX e
inicio do século XX. Uma espécie de mural afresco das relações sociais que
marcaram o Brasil finissecular e que ainda ecoam no nosso tempo.
As influências intertextuais pululam em cada capítulo e nos
levam ao encontro de obras como Orgulho e
Preconceito e Razão e Sensibilidade
(Jane Austen), Conde de Monte Cristo e O Homem da Máscara de Ferro
(Alexandre Dumas), A Bela e a Fera
(conto de fadas tradicional francês), das heroínas românticas de José de
Alencar ou, com tintas mais fortes da excepcional série Downton
Abbey, ente outras obras. Para além do enredo romântico, temos com muito
vigor uma refinada crítica de costumes da época.
A novela, assim como a série, revelam, simultaneamente, o mundo
dos patrões e o mundo dos empregados com lentes microscópicas, mostrando em
detalhes todas as nuances dos conflitos de classe, e mais ainda, das relações
humanas entre elas. Recentemente, houve um diálogo significativo entre Severa(Dani
Barros) e o menino Alex, filho do Conde Felipe(preceptora e seu tutorado). Ele perguntou se ela sabia
tocar piano e ela respondeu que não era coisa para gente de sua classe social.
E ele lhe retruca sobre o que era classe social e ela lhe responde: “é o que
faz as pessoas diferentes, gente como você e sua família são servidos por gente
como eu”. Tal diálogo é uma condensação do modelo social exposto na trama.
As crianças ainda não percebem as diferenças, por isso é tão
linda a amizade entre as três, oriundas de três classes diferentes. Felícia não
é nobre, é filha de alguém que enriqueceu com o trabalho (traço explorado pela
comicidade de sua mãe e irmã que aspiram pela nobreza) e Chico é filho de um ex
escravo (com chagas ainda abertas), o elo mais fraco do trio. Entre eles as
diferenças são neutralizadas, até que algum adulto apareça para lembrar-lhes.
A casa da Condessa Vitória (altiva Irene Ravache) é um
microcosmo do Brasil daquele período com toda sua intricada rede de intrigas e
segredos. Há várias escalas hierárquicas em cena entre os empregados, incluindo
os agregados (ecos machadianos), status da família da megera Melissa (Paola
Oliveira), nobres decadentes e empobrecidos que vivem às custas da Tia e
precisam perpetuar os laços através do casamento, e para isso fazem qualquer
coisa.
Como o titulo sugere, Além do Tempo, grafado entre duas
linhas infinitas, está o amor que resiste ao tempo e as armadilhas da vida e
das convenções sociais. Assim é com Bernardo (Felipe Camargo) e Alegra (Ana
Beatriz Nogueira), com Raul (Val Perré) e Gema(Louise Cardoso) e será também
com Lívia(Alinne Moraes) e Felipe(Rafael Cardoso). Temos ainda um elemento
mágico que confere uma dose de beleza extra na trama, o Anjo Ariel (Michel
Melamed), velando e interferindo nos destinos das personagens. O simples
cocheiro tem o poder de conduzir para o caminho do bem.
A sinopse da novela indica que a história avançará para o
presente, mostrando as mesmas personagens numa reencarnação posterior e vivendo
os mesmos conflitos, pois, com inspiração espiritualista, só o amor e o perdão
poderiam os libertá-las desse ciclo. Confesso que dispensaria essa segunda
fase, as narrativas de época nos levam para um encontro prazeroso e incômodo
com o nosso passado, mas está tão belo que gostaria que ficássemos por lá ao
som de Cartola e suas rosas...
Que beleza querida. Você me surpreende a cada dia. Elvya recebeu uma bela homenagem
ResponderExcluirObrigada, Ana. Continuemos nosso diálogo sobre a beleza das artes.
ResponderExcluirEsplêndido Alana, confesso que na minha ignorância literária não tinha percebido todos os enlaces que você menciona aqui, se já gostava da trama, agora mais ainda. Parabéns.
ResponderExcluirObrigada, Luciene. Também aprendo muito com novelas e filmes de época...continuemos com os nossos enlaces..
ExcluirAlana, acho que me encanto mais com teu texto do que com a própria novela, cujos clichês da Globo não mais me convencem. Gosto muito de novelas de época e os detalhes que nos são revelados de nossa sociedade e que, alguns, ainda perduram, como pensar em diferenças de classe. Parabéns!!!
ResponderExcluirObrigada, Rita. Tê-la como leitora é uma honra...Vamos afinando nosso olhar e tentando ler filologicamente as tramas do texto.
ExcluirEl Fahl,
ResponderExcluirchegado também às narrativas, estremeço com o seu tecelar, e me vejo sempre em deleites quando a beleza do escrever em suas mãos chegam a alguns jardins, lugares que aprecio deveras, me mostrando rosas tão formosas quanto as cuidadas exclusivamente para o ainda serei feliz da Condessa Vitória. Cartola, se vivo, de toda a sorte, diria para ti... Devias vir, pois simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti, ai...
Gutto, vc me enternece...continuemos regando nossos canteiros e colhendo nossas rosas.
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