O
Pequeno Príncipe e os resíduos de utopia
O filme O Pequeno Príncipe,
com direção de Mark Osborne, em cartaz nos cinemas desde 20 de agosto é uma
adaptação do romance homônimo do escritor francês Antoine de
Saint-Exupéry, publicada em 1943 nos Estados Unidos e no ano seguinte na
França. Uma das obras mais lidas no mundo com traduções em diversas línguas (mais
de 150) e que povoa o imaginário de crianças e adultos de diversas gerações. Seu autor o classificava como “um livro urgentíssimo para adultos” e, pelo que
vimos na tela, continua urgentíssimo para as crianças e adultos do nosso tempo
também.
Partindo do mote de uma menina contemporânea que é estimulada
(ou obrigada) pela mãe a seguir um roteiro de incontáveis tarefas, a fim de
ingressar numa escola que lhe garantiria um futuro promissor, temos um diálogo
interessantíssimo com a falta de fantasia da nossa vida real. A metáfora da
infância roubada é concretizada através do quadro de atividades incessantes
impostas pela mãe, que acreditava estar encaminhando sua menina para uma vida
de garantias. Todavia, essa vida acinzentada da criança será invadida,
literalmente, pelo seu vizinho aviador-sonhador que lhe trará o sopro da novidade
pelas frestas do muro (a imagem do vento bagunçando o quadro de tarefas é
belíssima) apresentando-lhe o livro do Pequeno Príncipe. Esse seu vizinho
excêntrico, que mora numa casa que destoa de toda a organização da cidade, será
seu primeiro amigo e lhe fará sair do roteiro elaborado para ela e, a partir de
então, o seu plano de vida passará a chocar-se com o plano de sua mãe.
A magia do romance passa a habitar o universo da menina, aí
adentramos de fato no enredo do romance. Toda a narrativa do livro é recontada
através das páginas que o vizinho vai lhe ofertando pouco a pouco, como goles
de felicidade clandestina. O carneiro, os reis ditadores dos planetas, os
diálogos profundos disfarçados de conversa de criança e é claro, a raposa, em
minha opinião cena mais bela do livro e também do filme, uma lição sobre a
amizade e poder dos elos afetivos que conquistamos. A famosa frase “Tu te
tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” ganha destaque especial
na tela, quando a menina recolhe a raposa de pelúcia da lixeira ou quando tem
algumas conversas com o bichinho que passa a ser sua companheira de aventuras.
Ainda vale destacar como um dos pontos altos do filme, o
reflexo espelhado dos personagens do livro no nosso tempo real. Quem seriam
aqueles reis déspotas, se não nossos homens de poder? Quem seria nosso Pequeno Príncipe,
se não um jovem e seus conflitos? É bom lembrar que o contexto de produção do
livro coincide com a II Segunda Guerra e que, hoje, elas continuam pequenas e
grandes, espaçadas e permanentes.
As adaptações são sempre bem-vindas, renova o interesse,
amadurece o diálogo, alarga o olhar, nos leva de volta às fontes. Em tempos de
tanta distopia, a fantasia proposta pelo Pequeno Príncipe, seja no livro ou no
filme, seja nos anos 40 ou agora, nos revigora
e, ao menos por alguns instantes, nos suspende da brutalidade do real que
parece nos golpear cada vez com mais força. Sua mãe também se tornou capaz de admirar
as estrelas. Saímos cativados pela arte e cientes que o essencial continua invisível
aos olhos... Mas como é bom ver ainda alguns resíduos de utopia refletidos ou
impressos nas telas.
Belíssimas palavras para um ótimo livro e, com certeza, um lindo filme (ainda não vi, mas estou louca para assistir). Parabéns pelo blog!
ResponderExcluirObrigada pela visita, é um prazer partilhar o universo fascinante das Letras.
ExcluirO pequeno príncipe se mostra de fato uma história até certo ponto incompreensível para o entendimento infantil. É mesmo uma história para “gente grande e para os que, sobretudo “esqueceram da beleza de muitas coisas vividas em uma das fases mais bonitas do desenvolvimento humano.
ResponderExcluirEssa é a segunda adaptação em longa da representação do livro, igualmente muito próximo a história original. Minha primeira critica é que embora o longa tenha utilizado recursos de ultima geração em animação e efeitos de tratamento de imagem, com uma linguagem estética pouco usual e até certo ponto experimental, apresentando inclusive as gravuras tal como vimos em nossa infância, o enredo apesar de inicialmente inteligente representando na adaptação e inclusão da menina na história se delonga demais. Isso porque a adaptação dá continuidade a história mesmo após a trágica despedida entre o principezinho e seu amigo aviador.
Essa continuação que parece não trazer grandes intervenções a história, é que permite que a adaptação secundária, torne se a história principal ( o que é compreensível levando em consideração tratar-se de um longa e precisar de um tempo mínimo de exibição) e isso no me entendimento gera uma contradição entre o filme adaptado e o livro representado.
Para quem leu o livro sabe que o pequeno príncipe parte do seu minúsculo planeta para uma aventura de descobertas, e para sintetizar após todas as descobertas inclusive a de que existem outras rosas igualmente belas pelo universo, ele desejoso por reencontrar todas as suas coisas deixadas para traz, em um dialogo com uma traiçoeira serpente se deixa influenciar pelas promessas de regresso a sua casa/seu mundo. Esse é o motivo de minha outra critica a adaptação como poderia o apequeno príncipe saudoso e que se opôs a todas as convenções dos que lhe pareciam mais racionar ter crescido? Como teria ele esquecido de sua história? se afinal como diz o livro “ foi o tempo que perdeste com a tua rosa, que fez tua rosa tão importante”. A beleza deste livro é que essas frustações são claramente apontadas na figura do aviador quando diversas vezes quando criança é desencorajado de seus sonhos em função do racional.
É bem verdade que adaptar nem sempre é uma tarefa fácil, principalmente quando a historia é um clássico, no entanto, minha maior critica a esta adaptação e a este longa é que fomos poupados daquilo que é doloroso, mas que é natural na vida... as despedidas.
Olá, Anônimo. Suas observações são apuradas e pertinentes.Toda adaptação é feita através de escolhas de leituras e apontam também para as diferenças entre a linguagem da Literatura e a linguagem do cinema. De fato, a opção narrativa deixou de fora a dor maior, todavia, ainda acho que o filme funcionou bem no seu papel de diversão e reflexão.
ResponderExcluirAnálise detalhada e muito sensível do filme. Adorei, Alana, como tudo que vc escreve. Vc conseguiu ler o filme muito bem 👏
ResponderExcluirAnálise detalhada e muito sensível do filme. Adorei, Alana, como tudo que vc escreve. Vc conseguiu ler o filme muito bem 👏
ResponderExcluirAnálise detalhada e muito sensível do filme. Adorei, Alana, como tudo que vc escreve. Vc conseguiu ler o filme muito bem 👏
ResponderExcluirOlá não sabia que apreciava os desenhos...continuemos!
ExcluirAlana,
ResponderExcluircomo sempre, sua análise é perfeita. Também assisti com minha neta e ela , ao final, me disse : minha avó, todos os pais e mães deveriam ver este filme. Realmente , é um excelente programa para adultos e crianças. Vale conferir.
Obrigada, leitores como você nos impulsiona a continuar na lida!
ExcluirBela resenha, Alana. Ainda não assisti ao filme, mas fiquei com vontade. E é este o maior mérito de uma boa resenha: instigar o leitor. Eu só assisti ao filme dirigido por Stanley Donen, em 1975. Vou procurar essa adaptação mais recente, obrigada pela dica. E que bom que o Entretelas também falará sobre cinema. Eu, cinéfila de carteirinha, estarei sempre por aqui. Bjs
ResponderExcluirObrigada, leitores como você nos impulsiona a continuar na lida!
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