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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Além do Tempo e da Eternidade


Além do Tempo e da Eternidade


 
Além do Tempo surpreende a teledramaturgia ao propor uma trama com duas fases de uma forma inédita. Até então, as novelas lançavam mão de recursos como o flashback e a memória das personagens para mostrar a interferência de fatos passados nos sucessos presentes (Alma Gêmea é um bom exemplo). Todavia, a novela das 18h vai mesmo Além do seu tempo ao mostrar duas vidas distintas de cada personagem com clara conotação espiritualista, através de duas reencarnações distantes em 150 anos.
O capítulo de hoje (21-10) encerrou um tempo, situado no século XIX, com toda magia que ele pode oferecer. Foi um capítulo brilhante com todo o fulgor de um clímax esperado nos grandes finais. Para alimentar o imaginário vitoriano (sim, Condessa Vitória) um duelo traiçoeiro, no melhor estilo capa-espada-penhasco, com Melissa e Pedro pintados com todas as tintas da vilania. Ambos foram incitados a perdoar e seguir em frente, mas optaram pelo ódio, e, de certo, responderão por ele na próxima etapa. O carma virá na nova fase, todas as personagens vestidas com outras roupagens, como mostrou a instigante chamada, reviverão os dramas do passado num contexto contemporâneo.
Desde sexta passada, num capítulo que lavou a honra do telespectador e nos fez vibrar com tanta beleza, os ares já eram de final. O casamento desfeito no altar com a revelação do segredo do diário (Ah... o século XIX como não suspirar ?), o príncipe no cavalo raptando a mocinha, as identidades reveladas, novos pares se formando, o bem vencendo o mal. Mas, com ventos novos soprando, não era o fim, era o recomeço de novas vidas construídas com o barro moldado no passado.
E por falar em ventos soprando a melhor metáfora desse “fechamento” de ciclo foram as velas se apagando continuamente no casarão da Condessa. Uma cena lapidar que sugere fins e recomeços, vida e morte, luz e sombra. Como uma trama de cunho espiritual, muito se falou sobre o poder do perdão, aqueles que conseguiram perdoar renascerão mais leves, os outros continuarão arrastando suas correntes.
Cortando para o século XXI, o anjo, antes cocheiro, agora atua no metrô( imagem contemporânea por excelência) e continua conduzindo os destinos. Lívia e Felipe num olhar eloquente se reconhecem, a reminiscência platônica entra em ação, é o amor que se eterniza  para Além do Tempo. Sigamos também apaixonados pelos próximos capítulos...
 

sábado, 10 de outubro de 2015

Como e porque sou noveleira


Como e porque sou noveleira
José de Alencar (1829-1877), um dos maiores intelectuais e ficcionistas desse país, em um texto autobiográfico de grande beleza Como e porque sou romancista[i] narra, entre outras tantas memórias, um episódio de sua infância que retomo aqui nesse preâmbulo:

Não havendo visitas de cerimônia sentava-se minha boa mãe e sua irmã D. Florinda com os amigos que pareciam, ao redor de uma mesa redonda de jacarandá, no centro da qual havia um candeeiro. Minha mãe e minha tia se ocupavam com trabalhos de costuras, e as amigas para não ficarem ociosas as ajudavam. Dados os primeiros momentos à conversação, passava à leitura e era eu chamado ao lugar de honra. Muitas vezes, confesso, essa honra me arrancava bem a contragosto de um sono começado ou de um folguedo querido; já naquela idade a reputação é um fardo e bem pesado. Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso, as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual se desfazia em recriminações contra algum mau personagem, ou acompanhava de seus votos e simpatias o herói perseguido. Uma noite, daquelas em que eu estava mais possuído do livro, lia com expressão uma das páginas mais comoventes da nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça baixa, levavam o lenço ao rosto, e poucos momentos depois não puderam conter os soluços que rompiam-lhes o seio. Com a voz afogada pela comoção e a vista empanada pelas lágrimas, eu também cerrando ao peito o livro aberto, disparei em pranto e respondia com palavras de consolo às lamentações de minha mãe e suas amigas. Nesse instante assomava à porta um parente nosso, o Revd.º Padre Carlos Peixoto de Alencar, já assustado com o choro que ouvira ao entrar – Vendo-nos a todos naquele estado de aflição, ainda mais perturbou-se: -Que aconteceu? Alguma desgraça? Perguntou arrebatadamente. As senhoras, escondendo o rosto no lenço para ocultar do Padre Carlos o pranto e evitar seus remoques, não proferiram palavra. Tomei eu a mim responder: -Foi o pai de Amanda que morreu! Disse, mostrando-lhe o livro aberto.

Tal cena, um serão de leitura bem aos moldes burgueses do século XIX, nos remete diretamente à relação do brasileiro com a telenovela. As reações da plateia descritas pelo autor de O Guarani ainda permanecem nas salas de nossas casas e estendem-se pelo dia seguinte onde baste que dois espectadores se juntem em seu nome, ali ela estará. É sabido que o gênero advém do folhetim romântico, romance em fatias, dividido em capítulos e saboreado aos poucos, sorvido em goles diários. Daí tantas semelhanças de heróis e mocinhas, romances proibidos, vinganças, segredos, sangue e lágrimas.
Talvez daí também a sua sobrevivência em tempos de tanta concorrência de outras telas. O drama humano sempre nos atrairá e conquistará nossa empatia, independentemente da história, sempre torceremos por uma personagem em detrimento de outra e reclamaremos um final feliz e, se possível, com casamento, flores e bebês. Para o vilão nada menos que loucura, morte, humilhação ou cadeia nele!
Para além das emoções catárticas do serão de Alencar e dos nossos, a literatura propriamente dita (aquela que é meu amor primeiro) e a teledramaturgia é também um veículo difusor de conhecimento. A sua  mathesis, como registrou Barthes, ou seja a sua força de transmitir saberes é um dos seus tripés(ao lado da  mimesis e semiosis) e concordamos que a novela brasileira tem desempenhado com força esse papel. Concordamos também que num país de índices mínimos de leitura de qualquer tipo, a novela tem nos ofertado algumas aulas sobre nossa história, possibilitado discussões sobre graves problemas e influenciado comportamentos e mudanças deles.

Se pensarmos em alguns temas como a escravidão, por exemplo, tivemos aulas inteiras sobre a barbárie que esse fato representou e continuou representando depois dele. Escrava Isaura(sucesso retumbante em todo mundo), Sinhá Moça, Força de um desejo, Lado a Lado e Além do Tempo(em exibição) mostraram para nós uma face maldita e mal dita da nossa nação. Com cenas memoráveis como os castigos de Isaura ou a abolição em Sinhá Moça (reescrita lindamente no seu remake para abarcar discussões contemporâneas). A imigração e seus desdobramentos nos renderam cenas antológicas em Terra Nostra ou O Rei do gado.

Sobre a ética ou a falta dela rememoro com prazer O Dono do Mundo (miserável Dr.Felipe Barreto, como as tias de Alencar, já te xinguei muito) ou a inesquecível Vale Tudo, que, como sugere o título escancarou o gênero ao premiar o vilão Marco Aurélio com um final feliz fugindo num helicóptero e nos dando uma simbólica banana, ou ainda o emblemático herói Sassá Mutema de O Salvador da Pátria. Temas ligados às questões de saúde estiveram presentes em diversas histórias, Câncer, Leucemia, Transplantes, Síndrome de Down, Autismo, Esquizofrenia, Deficiência visual entre tantos que, segundo dados oficiais, fazem o brasileiro correr atrás de informações, exames e consultas.

Os temas tabus, que são tantos por aqui, não fugiram das telas. Se tomarmos a questão homo afetiva como modelo teremos uma travessia dolorosa que foi da morte do casal lésbico na explosão do Shopping em Torre de Babel pela rejeição do público, a atores que apanharam na rua por insinuarem um par romântico (Jeferson e Sandrinho em A próxima vítima) para uma  aceitação, ainda que polêmica,  de casais como Félix e Nico em Amor à vida(com direito a beijo apaixonado) e de famílias como a das brilhantes damas Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg em Babilônia.  É como se as tramas fossem formando paulatinamente uma sociedade para a tolerância e aceitação.

Ainda no quesito comportamento, o inventário seria infinito, divórcios, adoções, famílias-mosaico, crises de meia idade, drogas, direitos femininos e feministas, violências diversas, enfim e sem fins, seria impossível elencar. E meus leitores, se é que alguém me acompanhou até aqui, devem ter percebido que estou tratando aqui só das novelas verossímeis, aquelas pautadas no real concreto, porque para ir para os reinos encantados da fantasia, onde outros tantos valores e saberes também são projetados, precisaríamos de rios de caracteres e pixels para encantar esse cordel.

Vou ficando por aqui e como os ouvintes de Alencar, continuo me emocionando com as tramas, da literatura e da tela, pois a arte nos dá o direito aos sonhos, mas também, uma overdose de realidade, ainda que ressignificada pelo espelho estilhaçado da ficção, como nas camisetas panfletárias de Romero Rômulo, o feijão e o sonho...

 

 

 




[i] Escrito em 1873 e publicado em 1893.

sábado, 26 de setembro de 2015

Verdades Secretas ou A vida como ela também é

                                Verdades Secretas  ou A vida como ela também é
A novela das 23h00h, Verdades Secretas, de Walcyr Carrasco, dividiu o público e fez muita gente dormir mais tarde nos últimos dias. Ancorado no mundo e, sobretudo, no submundo da moda, trouxe à tona aspectos nem tão glamourosos assim. Escancarou detalhes do backstage desse universo, jogando luz mais para os bastidores que para as passarelas propriamente ditas. O book rosa foi o símbolo dessa escolha temática principal, com a sobrecapa cor de rosa encobria a degradação das modelos, que, seduzidas pelos holofotes, acabam por cair num mundo sem cores. Arlete ao assumir sua nova identidade, Angel, faz o rito de passagem para esse outro mundo acinzentado. A ninfeta, o mote da Lolita é uma recorrência na literatura, vai ceder às tentações e transforma-se em anjo-demônio.
Paralelo a esse eixo central, tivemos à mostra várias relações humanas devastadas. A família de Alex, um tumulto constante, sem afeto, sem comunicação, sem convivência. O pai e madrasta de Arlete-Angel, oportunistas e cruéis, a relação de Anthony com sua mãe (excelente Eva Wilma) pautada no ressentimento, se ampliava para a cama de Fani (Adeus, Dona Neném), entre outras. Relação bela só mesmo a de Hilda e Oswaldo, amizade/amor maduro que renderam cenas ternas e profundas.

O triângulo amoroso sórdido entre filha-marido-mãe alimentou cenas de suspense que nos faz oscilar entre os sentimentos de repulsa, ódio e piedade. O pai se divertia com a Lolita-enteada, (inspirações incestuosas) e humilhava sua mãe (Drica, divina). Creio que as inúmeras sequências de sexo seriam dispensáveis, foram desgastando a trama e perdendo a novidade.

Houve muitos pontos altos na parte técnica. A iluminação com os jogos certeiros de luz e sombra, já que a trama expôs os recônditos humanos, aquilo que se quer esconder, mas acaba aparecendo aqui e ali. Os cenários realistas das trevas da Cracolândia e de tudo que habita naquele reino das sombras, no qual Grazi Massafera triunfou. O figurino sob medida para uma novela enredada nos novelos da moda e da sedução, como os biquínis de croché de Angel.

Voltando ao principal, a tragédia anunciada pela presença constante da arma em cena se concretizou. Angel manchou-se no sangue de sua mãe e no do seu amante, e essa nódoa-culpa a impregnou. Nelson Rodrigues ecoava em muitas cenas, revelando a vida secreta das “famílias decentes”, as verdades inconvenientes vistas pelo buraco da fechadura.

Reconheço valores na trama, mas sinceramente não me arrebatou. Penso que faltou mais ficção, mais fantasia. Entre a vida como ela é, prefiro a vida como ela poderia ser. Mais Chocolate e menos Pimenta, mais Rosas e menos Cravos, por favor, Walcyr...

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Além do Tempo: Mural afresco do século XIX


                                 Além do Tempo: Mural afresco do século XIX

                                                                                                                   Para Elvya Ribeiro

A novela das 18:00 h,  Além do Tempo, de Elizabeth Jhin, revela-se como uma grata surpresa para o público afeito ao gênero de época. Dentre tantos acertos da trama, temos em destaque um sofisticado painel da sociedade brasileira do final do século XIX e inicio do século XX. Uma espécie de mural afresco das relações sociais que marcaram o Brasil finissecular e que ainda ecoam no nosso tempo.

As influências intertextuais pululam em cada capítulo e nos levam ao encontro de obras como Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade (Jane Austen), Conde de Monte Cristo e O Homem da Máscara de Ferro (Alexandre Dumas), A Bela e a Fera (conto de fadas tradicional francês), das heroínas românticas de José de Alencar ou, com tintas mais fortes da excepcional série  Downton Abbey, ente outras obras. Para além do enredo romântico, temos com muito vigor uma refinada crítica de costumes da época.

A novela, assim como a série, revelam, simultaneamente, o mundo dos patrões e o mundo dos empregados com lentes microscópicas, mostrando em detalhes todas as nuances dos conflitos de classe, e mais ainda, das relações humanas entre elas. Recentemente, houve um diálogo significativo entre Severa(Dani Barros) e o menino Alex, filho do Conde Felipe(preceptora  e seu tutorado). Ele perguntou se ela sabia tocar piano e ela respondeu que não era coisa para gente de sua classe social. E ele lhe retruca sobre o que era classe social e ela lhe responde: “é o que faz as pessoas diferentes, gente como você e sua família são servidos por gente como eu”. Tal diálogo é uma condensação do modelo social exposto na trama.

As crianças ainda não percebem as diferenças, por isso é tão linda a amizade entre as três, oriundas de três classes diferentes. Felícia não é nobre, é filha de alguém que enriqueceu com o trabalho (traço explorado pela comicidade de sua mãe e irmã que aspiram pela nobreza) e Chico é filho de um ex escravo (com chagas ainda abertas), o elo mais fraco do trio. Entre eles as diferenças são neutralizadas, até que algum adulto apareça para lembrar-lhes.

A casa da Condessa Vitória (altiva Irene Ravache) é um microcosmo do Brasil daquele período com toda sua intricada rede de intrigas e segredos. Há várias escalas hierárquicas em cena entre os empregados, incluindo os agregados (ecos machadianos), status da família da megera Melissa (Paola Oliveira), nobres decadentes e empobrecidos que vivem às custas da Tia e precisam perpetuar os laços através do casamento, e para isso fazem qualquer coisa.

Como o titulo sugere, Além do Tempo, grafado entre duas linhas infinitas, está o amor que resiste ao tempo e as armadilhas da vida e das convenções sociais. Assim é com Bernardo (Felipe Camargo) e Alegra (Ana Beatriz Nogueira), com Raul (Val Perré) e Gema(Louise Cardoso) e será também com Lívia(Alinne Moraes) e Felipe(Rafael Cardoso). Temos ainda um elemento mágico que confere uma dose de beleza extra na trama, o Anjo Ariel (Michel Melamed), velando e interferindo nos destinos das personagens. O simples cocheiro tem o poder de conduzir para o caminho do bem.

A sinopse da novela indica que a história avançará para o presente, mostrando as mesmas personagens numa reencarnação posterior e vivendo os mesmos conflitos, pois, com inspiração espiritualista, só o amor e o perdão poderiam os libertá-las desse ciclo. Confesso que dispensaria essa segunda fase, as narrativas de época nos levam para um encontro prazeroso e incômodo com o nosso passado, mas está tão belo que gostaria que ficássemos por lá ao som de Cartola e suas rosas...

sábado, 12 de setembro de 2015

A Regra do Jogo ou o Jogo sem regras ?


A Regra do Jogo ou o Jogo sem regras ?

Na Teoria da narrativa existem dois tipos de personagens classificadas como Personagens Planas ou Desenhadas e Personagens Circulares ou Esféricas. As primeiras são aquelas mais simples, bem típica dos contos de fadas tradicionais nos quais facilmente identificamos os mocinhos e os vilões. Já a segunda estirpe, é composta justamente por aqueles perfis psicológicos que não se doam docilmente à nossa interpretação. Exigem olhar atento, vão se modulando e nos surpreendendo no desenrolar da trama. Membros dessa segunda prole de papel povoam A Regra do Jogo, nova novela das 21, de João Emanuel Carneiro. Saudado como renovador do gênero desde o inquestionável sucesso de Avenida Brasil. Parece que novamente nos toma de assalto e nos nocauteia a cada capítulo, sem dúvida ele faz parte da Tropa de Elite da teledramaturgia.

Todas as personagens principais jogam o jogo da ambiguidade. Como insinua o tabuleiro de xadrez da abertura, nem tudo é preto no branco, nem mesmo preto ou branco. Romero Rômulo, o protagonista mais complexo da linhagem da teledramaturgia global (se minha memória não me trai) é um mix de personaes diversas. Misto de líder popular com gangster só para começar. Como todo bom herói (ou anti) tem uma origem familiar conturbada e uma trajetória repleta de segredos. Será preciso retornar às origens para cumprir seu périplo. E para colorir ainda mais suas tintas, um drama humano o habita, uma doença degenerativa. Ele é um turbilhão de emoções e conflitos tão bem expostos pelo magistral Alexandre Nero (já exorcizou o comendador) que vem nos inquietando com o seu endemoninhado Rock and Roll. Quem é de fato esse homem? Ou Quem tem medo de Romero Rômulo? Parecem ser o eixo central da novela.

Todos têm algo a esconder, todos têm uma face oculta sob a face neutra. Segredos, sussurros e papéis guardados na gaveta dos armários e da memória ameaçam se revelar a cada instante. Os becos tortuosos e labirínticos do Morro da Macaca, com sua infinita rede de fios, portas, janelas e frestas parecem simbolizar os meandros complexos da alma das personagens. Zé Maria (Toni Ramos, brilhante em qualquer papel), na penumbra, anuncia sua volta para luz.  A professora e mater dolorosa Djanira (Cássia Kiss Magro), é um poço de mistério. A sedutora-picareta Athena (Giovana Antonelli) é também Francineide, oscilando entre o sonho do jet-set e a realidade do quarto  de pensão. O executivo cortês (Du Moscovis) é um dos líderes da FACÇÃO, uma irmandade onipresente e onisciente, com toda carga dramática dos bons filmes de máfia. A “família” disputa o poder com seus códigos (a) morais.

Aliás, as relações familiares complexas é outro ponto alto da intricada rede. Paternidades e maternidades variadas, com toda dor e delícia dos vínculos biológicos e sociais, refletem sobre as células da sociedade. Adisabeba (arrebatadora com o brilho dourado de Suzana Vieira) é a mãezona do Morro, nossa Jocasta suburbana. A sua relação de proteção com o filho estende-se para todos ao seu redor. O núcleo Gibson Stuart(José de Abreu), talvez o mais denso, traz Nelita(enigmática Bárbara Paz)  como metáfora explícita da ambiguidade, é anjo  e demônio juntamente. E no quesito comicidade, o voto vai para Feliciano Stuart( Adorável  Marcos Caruso). A sua grande família-trapo rouba a cena. Ele, fidalgo decaido que não perde a elegância jamais, com seu Robe de Chambre e bolo de contas vencidas, brinda a união da família com champanhe em xícaras Duralex. Como numa pizza mezo burguesia/ mezo classe-média.

O jogo está lançado e parece não haver regras entre os participantes. Tudo ainda em aberto. Todos suspeitos sob nosso julgamento do lado de cá e de lá da tela, como na bela música da abertura “É O juízo final, a história do bem e do mal”. Alguns resíduos de esperança se insinuam nesse mundo tão distópico. Tóia e Juliano (Vanessa Giácomo e Cauã Reymond, não precisam mais provar que são grandes atores), casal-símbolo da possibilidade da persistência do bem sobre o mal, começam a passar por suas expiações....resistirão?  Aguardem cenas dos próximos capítulos...

 

domingo, 6 de setembro de 2015

O Pequeno Príncipe e os resíduos de utopia


                           O Pequeno Príncipe e os resíduos de utopia

O filme O Pequeno Príncipe, com direção de Mark Osborne, em cartaz nos cinemas desde 20 de agosto é uma adaptação do romance homônimo do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, publicada em 1943 nos Estados Unidos e no ano seguinte na França. Uma das obras mais lidas no mundo com traduções em diversas línguas (mais de 150) e que povoa o imaginário de crianças e adultos de diversas gerações.  Seu autor o classificava como “um  livro urgentíssimo para adultos” e, pelo que vimos na tela, continua urgentíssimo para as crianças e adultos do nosso tempo também.

Partindo do mote de uma menina contemporânea que é estimulada (ou obrigada) pela mãe a seguir um roteiro de incontáveis tarefas, a fim de ingressar numa escola que lhe garantiria um futuro promissor, temos um diálogo interessantíssimo com a falta de fantasia da nossa vida real. A metáfora da infância roubada é concretizada através do quadro de atividades incessantes impostas pela mãe, que acreditava estar encaminhando sua menina para uma vida de garantias. Todavia, essa vida acinzentada da criança será invadida, literalmente, pelo seu vizinho aviador-sonhador que lhe trará o sopro da novidade pelas frestas do muro (a imagem do vento bagunçando o quadro de tarefas é belíssima) apresentando-lhe o livro do Pequeno Príncipe. Esse seu vizinho excêntrico, que mora numa casa que destoa de toda a organização da cidade, será seu primeiro amigo e lhe fará sair do roteiro elaborado para ela e, a partir de então, o seu plano de vida passará a chocar-se com o plano de sua mãe.

A magia do romance passa a habitar o universo da menina, aí adentramos de fato no enredo do romance. Toda a narrativa do livro é recontada através das páginas que o vizinho vai lhe ofertando pouco a pouco, como goles de felicidade clandestina. O carneiro, os reis ditadores dos planetas, os diálogos profundos disfarçados de conversa de criança e é claro, a raposa, em minha opinião cena mais bela do livro e também do filme, uma lição sobre a amizade e poder dos elos afetivos que conquistamos. A famosa frase “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” ganha destaque especial na tela, quando a menina recolhe a raposa de pelúcia da lixeira ou quando tem algumas conversas com o bichinho que passa a ser sua companheira de aventuras.

Ainda vale destacar como um dos pontos altos do filme, o reflexo espelhado dos personagens do livro no nosso tempo real. Quem seriam aqueles reis déspotas, se não nossos homens de poder? Quem seria nosso Pequeno Príncipe, se não um jovem e seus conflitos? É bom lembrar que o contexto de produção do livro coincide com a II Segunda Guerra e que, hoje, elas continuam pequenas e grandes, espaçadas e permanentes.

As adaptações são sempre bem-vindas, renova o interesse, amadurece o diálogo, alarga o olhar, nos leva de volta às fontes. Em tempos de tanta distopia, a fantasia proposta pelo Pequeno Príncipe, seja no livro ou no filme, seja nos anos 40 ou agora,  nos revigora e, ao menos por alguns instantes, nos suspende da brutalidade do real que parece nos golpear cada vez com mais força. Sua mãe também se tornou capaz de admirar as estrelas. Saímos cativados pela arte e cientes que o essencial continua invisível aos olhos... Mas como é bom ver ainda alguns resíduos de utopia refletidos ou impressos nas telas.

domingo, 30 de agosto de 2015

Fim de Babilônia...Outros Édens possíveis...


Fim de Babilônia...Outros Édens possíveis...

O capítulo final de Babilônia foi alvo de muitas críticas por parte de seus telespectadores. De forma geral, não conseguiu transmitir aquela carga emotiva típica dos desfechos da dramaturgia. Não havia muito a se resolver no último dia, além do assassino de Murilo (solução pacífica, Otávio e Oswaldão, pois se o mal foi eliminado pelo próprio mal, nosso senso moral fica apaziguado). Até mesmo o casamento da mocinha Regina (nossa rainha justiceira), cena típica dos finais, não foi tão comovente assim.

Destacou-se também na reta final, uma forte tendência para a verossimilhança. Muitas cenas pareciam ser a continuação do Jornal Nacional, obviamente ressignificadas pela ficção. As falcatruas do prefeito Aderbal (velha parábola do lobo em pele de cordeiro) e seus conchavos com as empreiteiras e depois com o tráfico refletem o nosso cenário factual. Até mesmo a prisão dele e sua fala de mártir injustiçado (“eu voltarei nos braços do povo”) se encontram com outros personagens de nossa história politica. A corrupção, mostrada na trama através de vários prismas, mostra que, como a Hidra de Lerna, quando se corta um tentáculo, outro cresce. O diálogo de Guto na Boate com seu comparsa confirma que esse monstro brasileiro, infelizmente não mitológico, continuaria a ser alimentado por Consuelo (tal e qual a Senhora dos absurdos, personagem de Paulo Gustavo). O discurso de Teresa na assembleia (pareceu-me uma homenagem à juíza Denise Frossard), mais um papel brilhante de Fernanda Montenegro, mostra que alguns Hércules estarão lá tentando deter a fera, resíduos de utopia que sustentam nosso quixotismo.

Quanto ao final de Beatriz e Inês, inspirado nos filmes Thelma e Louise e em um dos Relatos Selvagens produzidos por Almodóvar, julgo pertinente com o desenvolvimento do enredo. A relação patológica entre as duas, numa eterna e cansativa disputa, acabou por matá-las como nas tramas passionais. Como já disse antes, esse eixo central não empolgou seu público e a novela brilhou com mais intensidade nos enredos secundários. A exemplo disso, o belo romance de Rafael e Laís. Nosso Romeu e Julieta revisitado, que à despeito das diferenças incontornáveis entre suas famílias, fizeram do seu amor vida e combate, inclusive contaminando com seus ideais Maria José, que ganhou vez e voz através do simbólico gesto de soltar os seus cabelos, saindo do papel e do figurino que lhes foram impostos. A cena final do jovem casal trilhando por uma estrada irregular foi uma bela metáfora de sua trajetória.

O fantasma da audiência atormentou a trama,  um ponto a ser revisto em época de TV Fechada, Redes Sociais, Netflix e outras telinhas que nos fazem desviar o olhar. Concordo que não foi um novelão daqueles, mas o folhetim venceu com suas belas cenas de amor e suas multifaces: A paternidade chamando Bento para a vida adulta, a regeneração de Wolnei, a dedicação sem reservas de Sérgio e Ivan, a mãe acolhendo Diogo de volta no seu colo, o triângulo insólito-cômico de Walesca (como abandonar Clóvis?), os beijos polêmicos de volta, todos em uma festa, símbolo de congraçamento... Édens outros dentro da Babilônia. E amanhã novas emoções nos aguardam, novo jogo, novas regras...